quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Pastores Eram Malvistos Quando Jesus Nasceu?

 

Quando nos aproximamos do Natal, muito se fala sobre a má fama dos pastores em Israel na época do nascimento de Jesus. Mas isso é verdade? O que é fato e o que é ficção nessa história?

Apresentando a lenda

A história do Natal é familiar para a maioria dos cristãos, incluindo uma manjedoura, um bebê, três magos, animais e pastores. Ela nos é tão conhecida que nada parece estar fora do lugar. Lucas 2.8-12 diz: “Havia, naquela mesma região, pastores que viviam nos campos e guardavam os seus rebanhos durante as vigílias da noite. E um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam, e a glória do Senhor brilhou ao redor deles; e ficaram tomados de grande temor. O anjo, porém, lhes disse: ‘Não tenham medo! Estou aqui para lhes trazer boa-nova de grande alegria, que será para todo o povo: é que hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto servirá a vocês de sinal: vocês encontrarão uma criança envolta em faixas e deitada em manjedoura’”. Os leitores originais do evangelho de Lucas tinham uma perspectiva diferente dessa cena. Do seu ponto de vista, seria escandaloso pensar que Deus poderia anunciar aos pastores o nascimento de Cristo como um bebê recém-nascido. Por que Deus convidaria pastores quando poderia ter convidado Herodes, o Grande, o sumo sacerdote ou César? Quem eram os pastores?

Os pastores eram párias da sociedade, sem dinheiro, sem educação e sem cultura. Eles deviam ser socialmente evitados. Se você estivesse caminhando por uma rua e um pastor viesse na sua direção, você cruzaria para o outro lado da rua. Você não gostaria de estar perto de um pastor. Na verdade, eles não podiam ser juízes, e seu testemunho era inválido no tribunal.

Eles também eram párias religiosos. Seu trabalho os fazia cerimonialmente impuros; logo, não lhes era permitida a entrada no templo. Eles eram considerados tão inferiores e sujos quanto prostitutas. Esses homens foram excluídos da sociedade judaica durante sua vida inteira, e Deus os convidou para o nascimento mais importante da história do mundo. Ele não convidou César, Herodes, o Grande, ou os líderes judeus; ele convidou pastores. E esse é um tema no evangelho de Lucas: Deus alcançando os marginalizados pela sociedade – os pobres, as mulheres e os escravos. Deus busca aqueles que vivem à margem da sociedade. Olhe para os homens que Jesus escolheu para serem seus discípulos. Muitos deles eram pescadores destreinados e incultos. Outro era um judeu traidor: um coletor de impostos. Jesus elevou os marginalizados e fez deles líderes de seu ministério na terra. Perceber isso deveria nos dar esperança. Se Deus alcança aqueles que estão à margem, certamente pode alcançar você e eu.

Desvendando a lenda

Muitos estudiosos chegaram à conclusão de que os pastores eram párias da sociedade e repetiram esse conceito vez após vez. Por exemplo, Farrar disse, em 1893: “Os pastores nessa época eram uma classe desprezada”. Strack e Billerbeck (1924) disseram: “Os pastores eram pessoas desprezadas”. Stein (1992) afirmou: “Em geral, pastores eram desonestos e impuros de acordo com os padrões da lei. Eles representam os excluídos e pecadores pelos quais Jesus veio”. Butler (2000) disse: “Pastorear tinha deixado de ser um negócio familiar, como nos tempos de Davi, para ser uma ocupação desprezada”. Por fim, Utley (2004) declarou: “Os rabinos os consideravam como párias religiosos, e seu testemunho não era admissível no tribunal”. Essas são apenas algumas citações de estudiosos ao longo dos últimos cento e poucos anos.[1]

Três fontes principais são utilizadas para se chegar a essa conclusão. Primeiro, Aristóteles é citado como tendo dito que, entre as pessoas, “os pastores são os mais preguiçosos, que levam uma vida ociosa e obtêm sem problemas o seu sustento de animais domesticados; seus rebanhos vão de um lugar a outro em busca de pasto, e eles são compelidos a segui-los, cultivando uma espécie de fazenda viva”.[2] Aristóteles declarou que o pastoreio é fácil por causa dos animais envolvidos.

Usar Aristóteles como informação básica para a compreensão de Lucas 2 tem dois problemas. Primeiro, Aristóteles não era judeu e não vivia em Israel; ele era grego e vivia na Grécia. Suas visões a respeito do pastoreio são praticamente irrelevantes para o judaísmo do primeiro século. Segundo, ele viveu mais de 300 anos antes do nascimento de Cristo. Isso também faz que sua visão não seja útil para entender o Novo Testamento. Ele viveu em uma cultura diferente, em uma sociedade diferente, durante uma época diferente.

Os estudiosos recorrem a diversas fontes para selecionar material do pano de fundo judaico para o Novo Testamento. As duas principais fontes usadas para entender os pastores no Israel do primeiro século são a Mishná e o Talmude Babilônico.[3] A Mishná é uma coletânea de ditados rabínicos, em que os rabinos debatiam questões referentes ao Antigo Testamento e à lei mosaica. Essa coleção de tradições rabínicas provém do período desde antes do início do ministério público de Cristo e indo até por volta de 200 d.C. Ela foi escrita entre 200 e 250 d.C. Essas tradições contidas na Mishná podem, às vezes, ser úteis para entender o Novo Testamento, dependendo de diversos fatores (como a data em que o rabino é citado).[4]

A segunda fonte é o Talmude Babilônico. Essa obra, compilada por volta de 500 d.C., contém interpretações rabínicas do Antigo Testamento e interpretações baseadas na Mishná. A Mishná contém debates rabínicos sobre a interpretação e aplicação corretas da lei do Antigo Testamento, e o Talmude contém rabinos debatendo o conteúdo da Mishná. Em geral, a informação no Talmude não é útil para interpretar o Novo Testamento. Muitas das citações são simplesmente tardias demais para serem úteis de forma confiável, pois os rabinos estão muito afastados do contexto do primeiro século.

Eu não consegui encontrar uma única fonte de Israel no primeiro século que apoiasse a visão de que pastores eram párias da sociedade.

Além de Aristóteles, um comentário de Fílon e uma afirmação na Mishná, a maioria das citações usadas para demonstrar que os pastores eram desprezados foi tirada do Talmude Babilônico. Eu não consegui encontrar uma única fonte de Israel no primeiro século que apoiasse a visão de que pastores eram párias da sociedade. Portanto, esse ponto de vista é datado depois dos eventos sendo estudados em Lucas 2. É uma informação não confiável e deveria ser descartada da interpretação dos Evangelhos.

Pistas contextuais

Uma pista no contexto, um indício sutil, apoia a visão oposta da lenda. Lucas 2.18 diz: “Todos os que ouviram se admiraram das coisas relatadas pelos pastores”. Eles não estavam admirados porque pastores as estavam relatando; eles estavam admirados pela mensagem dos pastores. Se pastores eram vistos como excluídos da sociedade, as pessoas ficariam chocadas que eles estivessem envolvidos no processo. Em vez disso, ficaram maravilhadas com a história em si. Isso é uma pista contextual de que os pastores não eram considerados párias da sociedade.

Um breve retrato bíblico de pastores

Há uma evidência melhor para a ideia de que pastores não eram vistos como marginalizados: o retrato bíblico dos pastores como um todo. A descrição dos pastores no Antigo e Novo Testamentos seria formativa para a mente dos judeus e dos cristãos do primeiro século.

Começando no Antigo Testamento, Abraão era pastor. Gênesis 13 o descreve como possuindo muito gado, manadas e rebanhos de ovelhas. Êxodo 3.1a diz que Moisés era pastor: “Moisés apascentava o rebanho de Jetro, o seu sogro, sacerdote de Midiã”. Davi era pastor (de acordo com 1Sm 17) e cuidava dos rebanhos de seu pai. Esses três homens são pilares do Antigo Testamento. Abraão, Moisés e Davi estão todos conectados com a atividade do pastoreio, e todos os três eram muito estimados na sociedade judaica.

Abraão, Moisés e Davi estão todos conectados com a atividade do pastoreio, e todos os três eram muito estimados na sociedade judaica.

Deus também é retratado como um pastor no Antigo Testamento. Um dos versículos mais famosos de toda a Escritura proclama o seguinte: “O Senhor é o meu pastor” (Sl 23.1a). Gênesis 49.24 diz: “O seu arco, porém, permanece firme, e os seus braços são feitos ativos pelas mãos do Poderoso de Jacó, sim, pelo Pastor e pela Pedra de Israel”. Salmos 80.1 diz: “Dá ouvidos, ó pastor de Israel…”. O Senhor fala em Ezequiel 34.12, dizendo: “Como o pastor busca o seu rebanho, no dia em que encontra ovelhas dispersas, assim buscarei as minhas ovelhas. Eu as livrarei de todos os lugares por onde foram espalhadas no dia de nuvens e densas trevas”. Muitos outros poderiam ser citados, mas esses já são o suficiente. Um judeu no primeiro século conectaria o pastoreio a Abraão, Moisés, Davi e ao próprio Deus.

No Novo Testamento, Jesus está intimamente ligado ao tema do pastor. Mateus 2.6 descreve Jesus como um pastor: “E você, Belém, terra de Judá, de modo nenhum é a menor entre as principais de Judá; porque de você sairá o Guia que apascentará o meu povo, Israel”. Se pastores fossem vistos como párias da sociedade, é bastante duvidoso que Mateus ligaria Jesus à terminologia pastoral. Ele o faz novamente em Mateus 26.31: “… porque está escrito: ‘Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho ficarão dispersas’”. A passagem mais poderosa que liga Jesus ao tema do pastor é João 10. Jesus fala sobre pastoreio e se coloca no papel do pastor, chamando a si mesmo de “o bom pastor” (Jo 10.11). Isso seria um paradoxo se pastores fossem vistos como prostitutas. Há referências a Jesus como pastor até mesmo fora dos Evangelhos (veja Hb 13.20; 1Pe 2.25; 5.4). Não há hesitação no Novo Testamento em referir-se a Jesus como pastor.

O retrato bíblico de um pastor é extremamente positivo no Antigo e Novo Testamentos.

Por fim, líderes de igrejas são chamados de pastores. Em Atos 20.28, Paulo explica que aqueles que supervisionam devem “pastorea[r] a igreja de Deus”. Pedro diz aos líderes eclesiásticos que “pastoreiem o rebanho de Deus que há entre vocês” (1Pe 5.2). Não se vê qualquer sinal de vergonha em referir-se aos líderes de igrejas como pastores.

Muitos estudiosos ensinaram que pastores eram marginalizados pela sociedade no Israel do primeiro século. Suas fontes são datadas, geralmente, de muitos anos depois do período do Novo Testamento, além de Aristóteles, que era de uma cultura diferente e viveu 300 anos antes de Jesus. Lucas 2.18 parece inclinar-se contra a visão dos pastores como párias. O retrato bíblico de um pastor é extremamente positivo no Antigo e Novo Testamentos.

Aplicação

Embora pastores não fossem excluídos da sociedade, eles estavam em uma classe inferior e representavam os pobres e humildes.[5] Deus escolheu usar os componentes pobres e humildes da sociedade para divulgar o seu maravilhoso anúncio do nascimento de seu Filho. Jesus não é apenas para os ricos.

Igualmente, Lucas 2 conta a história de um evento essencial na história da humanidade. Deus e seus anjos estão empolgados e querem regozijar-se com o que está acontecendo. Esse é o começo de uma vida que será vivida em total submissão e obediência a Deus. Jesus, o segundo Adão, veio e ele providenciará perdão dos pecados e reconciliação com Deus. É por isso que Deus e seus anjos estão tão alegres, pois a história está começando. Deveríamos estar animados e contar apaixonadamente aos outros sobre como Jesus veio e o que ele fez.

Notas

  1. F. W. Farrar, The Gospel According to St Luke (Cambridge: Cambridge University Press, 1893), p. 112; Herman L. Strack e Paul Billerbeck, Kommentar zum Neuen Testament aus Talmud und Midrasch, 6 vols. (Munique, Alemanha: Beck, 1924), 2:113 (tradução do autor); Robert H. Stein, Luke (Nashville: B&H, 1992), p. 108; Trent C. Butler, Luke (HNTC) (Nashville: B&H, 2000), p. 29; Robert James Utley, The Gospel According to Luke (Marshall, TX: Bible Lessons International, 2004), Lucas 2.8.
  2. Aristóteles, Politics, 1.8; citado em James S. Jeffers, The Greco-Roman World of the New Testament Era: Exploring the Background of Early Christianity (Downers Grove: InterVarsity, 1999), p. 21; Matthew Montonini, “Shepherd”, The Lexham Bible Dictionary, ed. John D. Barry e Lazarus Wentz (Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2012). É possivelmente por esse motivo que Fílon, On Husbandry, p. 61, refere-se ao “cuidado de bodes ou ovelhas” como “inglório”.
  3. Estudiosos também usam Fílon de Alexandria (judeu helenístico do primeiro século), Josefo (judeu do primeiro século) e obras intertestamentárias apócrifas e pseudepigráficas.
  4. Embora eu não tenha encontrado nenhuma fonte que cite a Mishná, Qidduchin 4.14 poderia ser citado como uma evidência de uma visão negativa em relação aos pastores. Essa visão foi dada pelo rabino Abba Gurion, de Sidom, e é datada por volta de 165-200 d.C. Evidências ao contrário na Mishná incluiriam Bekhorot 5.4: “Acredita-se que os pastores israelitas [testemunham que as manchas apareceram sem querer]”.
  5. Embora essa aplicação possa soar semelhante ao ensino lendário, dizer que alguém é “pobre e humilde” é radicalmente diferente de compará-lo a uma prostituta. Alcançar a aplicação correta usando os dados errados não é um caminho hermenêutico apropriado.

Este artigo foi adaptado de Lendas Urbanas do Novo Testamento, por David A. Croteau.

  • David A. Croteau

    David A. Croteau (Ph.D., Southeastern Baptist Theological Seminary) é deão do seminário e da escola de ministério da Columbia International University desde 2021. Ele leciona cursos de Novo Testamento e grego e é membro da Evangelical Theological Society. Dr. Croteau já ensinou em vários países ao redor do mundo.

  • Estraido de: https://chamada.com.br/os-pastores-eram-malvistos-quando-jesus-nasceu/

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Encarnação da Graça: Natal

 

Qual é o verdadeiro sentido do Natal? Trata-se do nascimento do seu Salvador, a mão estendida de Deus que devemos agarrar para poder viver em paz e plena felicidade com Deus, por meio de Jesus Cristo, que é a graça personificada.

De que trata o Natal? Certamente não é por causa dos presentes, de uma boa ceia e de bebidas inebriantes, nem por causa de religião, nem do boi ou do burro ou um bebezinho lindo numa manjedoura. Tudo isso seria muito pouco para fazer jus ao significado do Natal. Trata-se do nascimento de um bebê que faz todo o restante perder o valor. “Porque não pregamos a nós mesmos, mas a Jesus Cristo como Senhor…” (2Coríntios 4.5).

Isso vai muito além e trata também de nosso relacionamento com Deus o qual se tornou um ser humano por meio desse bebê, para restabelecer a comunhão conosco. Foi por isso que ele nasceu de uma virgem. O nascimento virginal de modo algum é um detalhe sem importância, mas compreende tanto a divindade como a impecabilidade do Senhor Jesus.

Em vista disso, Jesus não é apenas um bom homem, mas, conforme Pedro testemunhou, “o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mateus 16.16). Sendo o Cristo, também é o Ungido, diretamente enviado de Deus, o Salvador; como o Filho do Deus vivo, ele mesmo é Deus, inseparavelmente unido com Deus… de eternidade a eternidade.

Se Jesus não tivesse nascido de uma virgem, ele seria apenas uma pessoa, talvez até uma pessoa boa e extraordinária, mas não seria Deus; ele seria impregnado com o pecado – esse mal com o qual todas as pessoas estão infectadas desde a ocorrência do pecado original. Se Jesus fosse um pecador, ele nunca poderia eliminar o pecado de outros.

Todavia, foi justamente este o motivo da sua vinda: vencer a morte, o salário do pecado; purificar as pessoas; reconciliar o mundo com ele mesmo.

Esse propósito estaria fadado ao fracasso desde o começo se Jesus fosse apenas um simples homem infectado pelo pecado. Trata-se de uma linha de pensamento lógica.

No entanto, se o pecado conduz inevitavelmente à morte, conforme testificam as Escrituras Sagradas (Romanos 5.12), então o Senhor Jesus, sendo o Cordeiro do sacrifício propiciatório, estava sem nenhum pecado. Caso contrário, ele não teria sido um sacrifício digno e agradável a Deus, nem estaria em condições de vencer a morte. Vemos que a ausência de pecado do Salvador é uma condição obrigatória para a salvação. Por sua vez, isso significa que, em última análise, tudo é consequência do nascimento virginal – tão ridicularizado pelo mundo.

Aprendendo com Maria e Isabel

Maria, a “agraciada” (Lucas 1.28), até hoje é a única virgem que gerou um nascimento físico sem nenhuma intervenção da medicina. Ela foi escolhida por Deus para gerar o Salvador do mundo, Jesus Cristo. E essa escolha de fato transferiu Maria para a condição de mulher excepcional. Nenhuma outra pessoa recebeu tal graça. E tal procedimento jamais se repetirá.

Isabel, uma parente de Maria, que ficou grávida pouco tempo antes e que seria mãe de João Batista, também reconheceu isso quando Maria foi visitá-la, exclamando: “Bendita é você entre as mulheres, e bendito o fruto do seu ventre!” (Lucas 1.42).

O interessante é que, se desconsiderarmos o nascimento virginal, a gravidez de Isabel foi mais extraordinária do que a de Maria. Acontece que Isabel já era idosa e até estéril! Resumindo, sua gestação era algo sensacional, sim, um milagre. Mesmo assim, Isabel não se orgulhou de sua gravidez, mas elogiou a jovem Maria.

Isabel não reconheceu Maria apenas como uma mulher grávida, mas como a agraciada. Ela reconheceu que o bebê no ventre de Maria não era apenas um amontoado qualquer de células, mas o Messias, o Salvador e Filho de Deus.

É interessante observar que também o pequeno João se agitou no ventre de sua mãe quando as duas mulheres se cumprimentaram. “Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre. Então Isabel ficou cheia do Espírito Santo” (Lucas 1.41). Tudo o que ocorreu ali realmente não foi algo normal, mas a ação de Deus e do Espírito Santo, de maneira que até o embrião se agitou de alegria quando se encontrou com o Filho de Deus.

A graça de Deus e o falar de Deus vão além de qualquer sensatez humana. Isabel reconheceu essa situação extraordinária e, dessa forma, elogiou Maria. Apesar disso, a própria Maria era pecadora – nascida em pecado – e dependente da graça de Deus. Também ela foi salva unicamente mediante a fé na graça de Deus, revelada no seu Filho Jesus Cristo.

É o que está escrito no louvor de Isabel: “Bem-aventurada a que creu, porque serão cumpridas as palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor” (Lucas 1.45).

Maria se destacava por sua singela confiança em Deus. E essa confiança gerou a obediência e observação da Palavra de Deus.

Para a salvação de Maria – a salvação da sua alma –, o primordial não era ter sido escolhida para trazer o Filho de Deus ao mundo, mas a sua fé (veja Lucas 11.27-28), que ela mesma expressou: “Aqui está a serva do Senhor; que aconteça comigo conforme a sua palavra” (Lucas 1.38a). Que testemunho maravilhoso! Ele revela a humildade e a fé incondicional dessa jovem.

É muito provável que ela não havia compreendido o alcance total do que ocorreu, mas ela se submeteu voluntária e confiadamente.

Maria se destacava por sua singela confiança em Deus. E essa confiança gerou a obediência e observação da palavra de Deus.

Entendendo a graça de Deus

Analisemos um aspecto adicional. Quando o anjo Gabriel anunciou o nascimento virginal para Maria, ele a saudou afetivamente e quase com euforia: “Alegre-se, agraciada! O Senhor está com você” (Lucas 1.28). Isso era algo totalmente incomum para uma mulher – ainda mais se essa fosse muito jovem – ser cumprimentada dessa maneira; nem por parte de um homem, muito menos por um anjo.

Esse encontro realmente não foi algo da vida cotidiana e, assim, a sua consequente reação é algo mais do que compreensível: “Ela, porém, ao ouvir esta palavra, perturbou-se muito e pôs-se a pensar no que poderia significar esta saudação” (Lucas 1.29). Ela ficou admirada com o anúncio do nascimento: “Como será isto, se eu nunca tive relações com homem algum?” (Lucas 1.34).

Todavia, o que afinal é abrangido pela graça de Deus? Vamos pensar um pouco sobre isso. Entre outros, a graça de Deus abrange o seu falar com as pessoas, como aconteceu aqui por meio do anjo Gabriel. É graça de Deus quando ele fala às pessoas e, ao mesmo tempo, concede a possibilidade de falar com ele. É o que acontece hoje em e por meio de Jesus Cristo, o qual é o sumo sacerdote da nova aliança e o sacrifício propiciatório (Hebreus 10.19; Colossenses 1.15-23). Nele podemos nos relacionar com Deus e, por meio dele, somos até filhos de Deus. Temos a possibilidade de nos comunicar com Deus por meio da leitura da Bíblia e da oração, e isso não é somente um privilégio, mas verdadeira graça.

No entanto, a graça de Deus não é como algo aceito automaticamente, mas sempre requer fé. De alguma maneira, Deus dispõe a sua graça para todas as pessoas; o nascimento do Senhor Jesus não aconteceu apenas para os pastores, os magos e as pessoas daquela época, mas o nascimento aconteceu para todos nós. As boas novas, a Palavra de Deus, valem para todos.

A graça de Deus não é como algo aceito automaticamente, mas sempre requer fé.

Deus fala em e por meio de seu Filho para todas as pessoas; o sacrifício do Senhor Jesus favorece a todos, mas cada pessoa é convidada a reivindicar essa graça. Na regra, o mesmo acontece com os presentes de Natal. Possivelmente haja um presentinho sob a árvore de Natal, talvez alguém o entregue em suas mãos ou o seu nome está escrito nele; no entanto, recebê-lo de coração, abrir e apropriar-se dele é algo que você mesmo precisa fazer. É o que acontece também com o maior presente de Deus para a humanidade. No que depende de Deus, já está tudo feito.

O Salvador veio ao mundo. O Filho de Deus se tornou homem para, alguns anos mais tarde, entregar-se voluntariamente como Cordeiro sacrificado por você e por mim. E este presente está disponível para você – isso é graça! Contudo, Deus não obriga ninguém a aceitá-lo. Recebê-lo de coração, abrir com fé e confiança e reivindicá-lo na vida cotidiana é algo que você mesmo precisa fazer. Ninguém pode assumir essa decisão por você.

Um exemplo das Escrituras Sagradas pode esclarecer isso para nós: o evangelista Lucas relata sobre a cura de dez leprosos (Lucas 17.11-14). A graça de Deus representa a cura de todos os dez homens. Nenhum deles foi excluído. No entanto, não há nada escrito sobre perdão de pecados e da cura do espírito e da alma. Dito em outras palavras: esses dez receberam da graça de Deus (todos foram ricamente presenteados), mas nem por isso eles estavam salvos. Somente a fé conduz à salvação, conforme podemos ver na continuação.

“Um dos dez, vendo que estava curado, voltou dando glória a Deus em alta voz e prostrou-se com o rosto em terra aos pés de Jesus, agradecendo-lhe. E este era samaritano. Então Jesus perguntou: ‘Não eram dez os que foram curados? Onde estão os nove? Não se achou quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?’ E lhe disse: ‘Levante-se e vá; a sua fé salvou você’” (Lucas 17.15-19). Apenas um dos dez havia recebido a graça por meio da fé e abriu o laço do presente. Quando lembramos que, também hoje, muitas pessoas simplesmente desdenham da graça de Deus e não aproveitam sua demonstração de amor, não podemos deixar de ver o trágico nisso.

José e Maria e a liderança religiosa

Diante de todas as instruções recebidas, inclusive sobre o nome da criança (Lucas 1.31), José e Maria sempre obedeceram – inclusive quando se tratava de ir ao Egito ou de lá retornar. Será que eles não saberiam melhor onde o filho deles deveria nascer, como deveria ser chamado, como ele devia ser criado…?

Não, eles simplesmente creram e aplicaram a sua fé na prática. Isso, por sua vez, é uma prova da integridade de José e Maria. Eles não se mantiveram obstinados nem preconceituosos diante da palavra do Deus vivo. Os dois constantemente mantinham a palavra de Deus em seus corações e a faziam valer em sua vida.

Esse casal serve de contraste aos estudiosos escribas e sacerdotes dogmaticamente incrustados, que não tinham mais nenhuma receptividade à viva Palavra de Deus e se mantinham colados na letra, questionando tudo, em vez de permitir que a Palavra agisse em suas vidas. Isso não nos leva imediatamente a lembrarmos da situação desoladora de muitas igrejas e teólogos atuais? Cada um pode formar seu próprio quadro; nós, porém, seguimos com Jesus.

O nome Jesus, ou Yeshua, significa “[Yahweh é] salvador”. Yahweh é o eterno, o “Eu Sou”, o único verdadeiro Deus de Israel. E aqui o nome realmente é o plano. Não se tratava simplesmente do nascimento de uma criança, mas do Salvador, exatamente como foi anunciado a José: “Ela dará à luz um filho e você porá nele o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mateus 1.21).

Essa libertação dos pecados – libertação das trevas para a luz – não está limitada ao povo judeu, mas abrange o mundo inteiro. “E não há salvação em nenhum outro, porque debaixo do céu não existe nenhum outro nome [além de Jesus Cristo], dado entre homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (Atos 4.12).

Essa libertação dos pecados – libertação das trevas para a luz – não está limitada ao povo judeu, mas abrange o mundo inteiro.

Diante de Maria, o anjo Gabriel confirmou: “Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo” (Lucas 1.32a). Na verdade, trata-se do nascimento de uma criança sem igual. Jesus é maior! Maior do que Moisés, maior do que a Lei. Maior do que Elias e maior do que todos os profetas. Maior do que Arão e maior do que todos os sacerdotes. Maior do que Salomão e maior do que todos os reis. Maior do que os anjos e maior do que o templo. E, naturalmente, maior do que Maria – para voltarmos à agraciada virgem.

Qual era o motivo que levou o anjo Gabriel a seguir para Nazaré e anunciar esse nascimento extraordinário a José e Maria? Não era pela cidade, nem pelos seus habitantes, mas era por uma criança que ainda nem havia nascido. Ao louvar Maria, Isabel falou: “… e bendito o fruto do seu ventre!” (Lucas 1.42).

O fruto do ventre de Maria; o Filho unigênito de Deus, é o motivo da bênção e da graça da qual Maria também foi participante. Por meio do fruto do ventre – por meio de Jesus – também a mamãe é honrada, e não o contrário.

Em continuação, Isabel menciona a “mãe do meu Senhor”, não o “filho de minha senhora” (Lucas 1.43). A mãe não é maior do que o Senhor, mas Jesus, o Senhor, é maior e se encontra no ponto central, acima de tudo e de todos. Assim, o destaque marcante do Natal não é o tamanho, o peso e a circunferência da cabeça de uma criança normal, mas o nascimento de Cristo, o bebê mais excepcional de todos os tempos.

“Por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus” (Lucas 1.35b). Observe que não está escrito que esse bebê algum dia seria declarado santo ou que ele buscaria a santificação, mas que ele é santo. Conseguimos ter uma noção sobre quem se tornou homem? Esse nascimento é e continuará sendo a encarnação daquele que é o primogênito de toda a Criação e, assim, o próprio Criador.

O sentido do Natal

Por meio do nascimento do Senhor Jesus, a graça de Deus se manifestou de maneira especial. É por isso que o Natal envolve principalmente o nosso relacionamento com Deus, o qual se tornou humano nessa criança a fim de restabelecer a comunhão conosco.

Isto é Natal: o nascimento do nosso Salvador, a mão estendida de Deus que devemos agarrar para poder viver em paz e plena felicidade com Deus, por meio de Jesus Cristo, que é a graça personificada.

E você, não gostaria de acompanhar o testemunho de Isabel e Maria? Maria disse: “Aqui está a serva do Senhor; que aconteça comigo conforme a sua palavra” (Lucas 1.38), e Isabel testemunhou: “Bem-aventurada a que creu” (Lucas 1.45). Isso continua valendo hoje: a fé em Jesus Cristo pode transformar você num filho de Deus.

Se você também puder dizer, em obediência e confiadamente: “Aqui está a serva do Senhor; que aconteça comigo conforme a sua palavra”, então você não apenas compreendeu o valor do Natal, mas todo o sentido da sua própria vida.

Isto é Natal: o nascimento do seu Salvador, a mão estendida de Deus que devemos agarrar para poder viver em paz e plena felicidade com Deus, por meio de Jesus Cristo, que é a graça personificada.

  • Thomas Lieth

    Thomas Lieth nasceu em 1965 na Alemanha. Casado com Patricia, tem dois filhos e uma filha. Thomas é colaborador e pregador, completando seus estudos teológicos na Bibelschule Neues Leben, em Wölmersen, Alemanha. É um dos responsáveis pelo trabalho editorial da Chamada na Suíça.

  • Reproduzido de: https://chamada.com.br/natal-a-encarnacao-da-graca/

sábado, 20 de janeiro de 2024

Como entender a morte e o estado intermediário?

 

Paul N. Benware

A Bíblia confirma a existência do purgatório? E quanto à teoria do “sono da alma”? O que acontece quando nós morremos? Este artigo traz uma apresentação bíblica do assunto.

Se tivéssemos de escolher entre um convite para uma festa ou para um funeral, a maioria certamente correria para optar pela festa. Afinal, esta oferece alguma esperança de diversão e alegria, enquanto um serviço fúnebre oferece apenas lágrimas, peso e desconforto mental e emocional. Ainda assim, o conselho do sábio rei Salomão era que seria melhor ir a um velório (“uma casa onde há luto”) do que a uma celebração (“uma casa em festa”). Ele justifica isso explicando que festas tendem a promover uma perspectiva de vida vazia e inútil, enquanto um funeral nos leva a encarar a realidade (Eclesiastes 7.2-6).

É claro que justamente esse ponto (encarar a realidade) leva muitos a se afastarem da sabedoria de Salomão. Certamente a morte não é tema dos mais agradáveis, e as pessoas preferem não pensar nela por causa do medo e do desconforto que ela intimamente nos causa. A verdade bíblica de que “o homem está destinado a morrer uma só vez e depois disso enfrentar o juízo” (Hebreus 9.27) reforça nitidamente o que a humanidade parece perceber intuitivamente – que há vida após a morte, e ela pode não ser agradável. Já que nenhum de nós passou pelo vale da sombra da morte, há certo mau pressentimento a respeito de tudo isso. Em geral, prefere-se evitar o pensamento a respeito da inevitabilidade e da proximidade da morte.

Assim, não é nem um pouco surpreendente o fato de haver tanta disposição em ouvir ideias e filosofias que falem de tranquilidade e paz após a morte. Muitos tentam acalmar o medo e a ansiedade das pessoas asseverando que não há punição eterna esperando por elas. Isso pode se manifestar na forma de algum programa de televisão com testemunhos de pessoas que alegam ter tido experiências maravilhosas e aconchegantes de quase morte ou que promova ensinos como o da reencarnação. Até mesmo dentro da igreja há quem tente convencer outros a não se preocupar demais com a morte, já que Deus é um Deus de amor; por causa disso, no fim todo mundo será salvo, e ninguém vai realmente sofrer tormentos para sempre.

Com certeza, é um grande eufemismo afirmar que a morte, o estado intermediário e a eternidade não são assuntos secundários. Na verdade, de todas as áreas da escatologia, nenhuma importa tanto quanto essa. Assim, queremos nos voltar para a Palavra de Deus para encontrar respostas conclusivas e definitivas.

A visão bíblica da morte

Ainda que a morte seja real e inevitável, ela não é algo natural. Quando Deus criou os céus e a terra, a morte não era parte disso. É por isso que, no fim, ela será derrotada para sempre (1Coríntios 15.26) e banida da nova criação – “Então a morte e o Hades foram lançados no lago de fogo” (Apocalipse 20.14a). As Escrituras falam de três tipos de morte: a morte espiritual, que é a separação entre o ser criado e seu Criador (p. ex., Efésios 2.1); a morte eterna, isto é, a separação final e permanente da pessoa não salva de Deus (p. ex., Apocalipse 20.14); e a morte física, na qual a parte imaterial do ser humano se separa de seu corpo material (p. ex., Gênesis 35.18-19).

Quando alguém morre fisicamente, essa pessoa não deixa de existir; antes, corpo e alma são separados um do outro.

A morte física é o encerramento da vida física por meio da separação do corpo e da alma. Ela nunca é aniquilação. [...] Morte não é cessação da existência, mas uma ruptura nas relações naturais da vida. Vida e morte não se opõem uma à outra, na qualidade de existência e não existência, mas são opostos apenas no sentido de serem diferentes modos de existência.1

Quando Estêvão estava sendo apedrejado, ele olhou para o céu e pediu em oração que o Senhor recebesse seu espírito (Atos 7.59). Quando Raquel morreu durante o parto, isso é descrito como sua vida partindo (Gênesis 35.18). Tiago ensina que na morte física o corpo se separa do espírito (Tiago 2.26). Nas Escrituras, a vida não é entendida apenas como existência, mas como bem-estar. Morte, portanto, é perda do bem-estar, não cessação do ser.

O estado intermediário

A morte e o crente

Depois de sua morte e antes de sua ressurreição, o cristão permanece em um estado intermediário. As Escrituras não contêm muitas informações sobre essa condição. O motivo é que a esperança do crente é a ressurreição, quando tudo será consumado, não o estado intermediário (entre a morte e a ressurreição). No entanto, os escritores bíblicos ofereceram algumas certezas importantes a respeito do que acontece ao cristão na morte.

Em primeiro lugar, os crentes recebem a garantia de que nada, nem mesmo a morte, é capaz de separá-los de seu Senhor Jesus Cristo (Romanos 8.38-39). Isso confirma que eles não serão abandonados nem por um segundo no momento da morte física. Jesus, que prometeu nunca deixar seu povo, não permitirá isso.

As Escrituras não contêm muitas informações sobre o estado intermediário. O motivo é que a esperança do crente é a ressurreição, quando tudo será consumado.

Em segundo lugar, o cristão não precisa ter medo de passar pela morte porque o Senhor Jesus, que já passou por ela, está conosco (Salmos 23.4). É verdade que a morte é vista como um inimigo que ainda tem uma ferroada dolorida, por carregar consigo diversos tipos de perda (1Coríntios 15.54-57). Mas Jesus venceu a morte e no futuro a destruirá. É interessante observar que os termos usados pelo Novo Testamento para referir-se à morte dos cristãos não são amedrontadores (p. ex., “dormirem”, 1Tessalonicenses 4.13-15).

Em terceiro lugar, o crente recebe a promessa de que a morte o levará imediatamente à presença de Cristo. Para o cristão, há apenas duas opções: estar em seu corpo físico, vivendo na terra, ou sair do corpo material para ir à presença de Cristo. Não há terceira opção, como o purgatório ou o “sono da alma”. O apóstolo Paulo explicou da forma mais clara possível, em 2Coríntios 5.6-8, que, no momento em que um cristão morre e deixa esta esfera da existência, ele entra imediatamente na presença do Senhor Jesus. Em momento algum essa passagem sugere a existência de um estado intermediário de inconsciência ou alguma espécie de purgatório. Paulo diz que, enquanto estiver morando no corpo, ele estará longe de sua casa no Senhor Jesus (verbo no presente); por causa disso, sua comunhão é incompleta (v. 7). Ele acrescenta que virá um momento (aoristo) em que isso mudará, e então ele estará na presença do Senhor e ausente do corpo, uma referência muito clara à morte (v. 8). Essa passagem claramente ensina que, no momento da morte, o crente entra em um estado de comunhão íntima com o Senhor. “Tanto as conjugações no infinitivo no versículo 8 quanto o paralelismo entre os versículos 8 e 6 indicam que estar na presença do Senhor acontece no momento em que alguém morre.”2

Charles Hodge apoia essa interpretação e também mostra que a presença de Paulo junto ao Senhor não é uma referência à ressurreição:

O apóstolo está falando dos motivos de consolo diante da perspectiva iminente da morte. Em essência, ele diz que a dissolução do corpo não destrói a alma nem a priva de um lar. Seu consolo é que, quando fosse despido, não seria encontrado nu. Enquanto seu lar fosse o corpo, ele estaria longe do Senhor, mas, assim que deixasse o corpo, estaria na presença do Senhor. É absolutamente óbvio que aqui o apóstolo está falando do que acontece no momento da morte.3

Outra passagem que forçosamente ensina que o cristão, ao morrer, vai imediatamente para a presença de Cristo é Filipenses 1.21-23. Nessa passagem, Paulo revela seu anseio íntimo de estar com o Senhor Jesus Cristo. Ele tem plena consciência de que os crentes se beneficiariam muito de seu ministério na vida deles, e isso o fazia desejar continuar na terra. Mas, a despeito de seu zelo pela salvação das pessoas e de seu grande desejo de ver os cristãos edificados em sua fé, ele anelava em partir e estar com Cristo. Paulo não teria esse anseio se a morte o levasse ao purgatório ou a uma condição de não existência (“sono da alma”).

A gramática dessa passagem implica o ensino enfático de que, na morte, o crente é levado imediatamente à presença de Cristo.

A preposição eis to acompanhada do infinitivo mostra “real propósito ou finalidade em vista” – o forte anseio que causa o dilema de Paulo. Ambos os infinitivos (analusai e einai) têm a mesma construção, portanto implicam a mesma ideia, a mesma expressão gramatical. [...] Em palavras simples, o único anseio de Paulo tem um objetivo duplo: partir e estar com Cristo! Se a partida não representasse um imediato estar com Cristo, ele teria usado outra construção de frase. Portanto, parece impossível que o apóstolo estivesse pensando em sono da alma, uma vez que ele deseja deixar o corpo e desfrutar espiritualmente da presença do Senhor.4

O uso dos dois infinitivos ligados pela conjunção aditiva “e” e um artigo definido deixa claro que o apóstolo está formando um conjunto com base nessas duas ideias. De acordo com seu raciocínio, a partida (morte) significa que ele estaria na presença de Cristo. Ele enxerga que há duas possibilidades diante dele e não deixa qualquer espaço para uma terceira alternativa.

Na morte, o crente é levado à presença de Cristo no céu. Como a ascensão levou o Senhor Jesus de volta à casa do Pai, é para lá que o cristão também vai. Precisamos lembrar que, quando Jesus retornar no arrebatamento para reunir sua igreja, os que tiverem morrido antes virão com ele (1Tessalonicenses 4.14). Vemos nisso que cristãos que morreram antes do arrebatamento (e, portanto, antes da ressurreição) estão com o Senhor Jesus no céu e retornarão com ele. Alguns teólogos sugeriram que, nesse estado intermediário, os crentes terão alguma espécie de corpo temporário. Essa ideia baseia-se em parte no fato de que, na transfiguração de Cristo, Moisés apareceu em forma física, embora a ressurreição ainda não tenha acontecido. Mas, ainda que a ideia do corpo temporário não seja clara, é certo que os cristãos estão com o Senhor.

O estado intermediário para o cristão não será tão maravilhoso quanto o momento em que ele receberá seu corpo glorificado e, assim, tiver salvação completa.

Na cruz, Jesus prometeu ao ladrão que morria ao seu lado que este estaria com ele no paraíso naquele mesmo dia (Lucas 23.43). A palavra “paraíso” (um termo que designa “parques” ou “jardins”) é usada três vezes no Novo Testamento como referência ao céu, onde Cristo está neste momento manifestando sua presença e glória. Paulo viu algumas das maravilhas do paraíso, que eram verdadeiramente magníficas, quando foi arrebatado para lá (2Co 12.2-4). Embora, sem dúvida, haja muita coisa que não sabemos nem podemos saber sobre a vida imediatamente após a morte, ela claramente é algo que merece a preferência quando comparada à existência atual. Ainda assim, o estado intermediário para o cristão não será tão maravilhoso quanto o momento em que ele receberá seu corpo glorificado e, assim, tiver salvação completa.

A morte e o incrédulo

O incrédulo também conserva uma existência consciente no momento da morte física. Mas seu destino não é agradável, já que ele recebe punição no inferno (Hades). Alguns sistemas religiosos se opõem à ideia de um lugar de punição consciente chamado inferno (Sheol e Hades). Destacam que essas palavras se referem ao túmulo ou a uma cova no chão, mas que nunca são equiparados à punição eterna. Ainda que seja verdade que essas palavras podem designar o túmulo e, de forma geral, o lugar dos mortos, também é verdade que elas são usadas como lugares de castigo. “Resumidamente, podemos dizer que o Sheol do Antigo Testamento em geral significa túmulo e, às vezes, lugar de punição, enquanto, no Novo Testamento, Hades e inferno são em geral lugar de punição, mas, às vezes, o túmulo.”5

Várias passagens bíblicas revelam que essas palavras são usadas como referência a lugares de julgamento e punição para os maus. Salmos 9.17 declara: “Voltem os ímpios ao pó [Sheol]”. Aqui, o “Sheol” é o lugar preparado para os perversos, não apenas um túmulo, uma vez que tanto justos quanto ímpios vão para o túmulo. Provérbios 23.14 afirma: “Castigue-a [a criança], você mesmo, com a vara, e assim a livrará da sepultura [Sheol]”. É óbvio que não há disciplina paterna capaz de impedir que a criança vá para o túmulo. Lucas 16.23 fala sobre o homem rico que morreu e, “no Hades, onde estava sendo atormentado, ele olhou para cima”. Vê-se claramente aqui a sua punição, aplicada imediatamente após a morte. Várias outras passagens mencionam um lugar no estado intermediário onde os perversos estão conscientes e sofrem castigo (p. ex., Mateus 5.22; 11.23; 23.33).

Tecnicamente, é verdade que a Bíblia não fala do inferno como um lugar de punição eterna. O inferno certamente terá fim quando for jogado no lago de fogo, mas o lago de fogo é claramente entendido como um lugar de castigo eterno (cf. Apocalipse 20.10,14-15). Quer seja no inferno, quer no lago de fogo, as Escrituras alertam com frequência para os terrores que aguardam aqueles que não querem se arrepender e voltar-se para o Senhor Jesus a fim de obter salvação e libertação do juízo.

A teoria do “sono da alma”

Alguns grupos (como os Adventistas do Sétimo Dia) defendem a posição teológica de que não há existência consciente entre a morte e a ressurreição. Esse conceito de não existência no estado intermediário baseia-se em parte em versículos que falam da morte como “sono” ou “dormir”. A perspectiva do “sono da alma” (ou, mais precisamente, da “extinção da alma”) fundamenta-se expressamente em uma visão da natureza humana que nega uma existência separada da parte imaterial do ser humano (alma ou espírito) no momento da morte. Não faz parte do escopo deste capítulo tratar da natureza humana, demonstrando que alma e espírito podem subsistir à parte do corpo. Mas, quando se entende corretamente que uma pessoa tem tanto uma parte material quanto uma imaterial, fica claro que “sono” é usado de forma figurada:

É claro que todo mundo reconhece que o corpo dorme até a ressurreição, isto é, torna-se inconsciente, insensível. O sono de que se fala é do corpo, não da alma. Quem ensina o sono da alma simplesmente confunde o adormecimento do corpo com o da alma. O ensino do sono da alma não aparece em lugar algum da Bíblia. Cada vez que a palavra “dormir” é usada em relação aos mortos, o contexto deixa claro que ela se aplica apenas ao corpo.6

A natureza desse “sono” do corpo é que, um dia, ele “acordará” na ressurreição. Dessa forma, essa figura de linguagem não é apenas um eufemismo, mas ilustra uma verdade profunda.

A doutrina do sono da alma foi construída sobre uma metáfora, o que não é hermeneuticamente apropriado. É verdade que o Novo Testamento descreve a morte como sono, mas não é correto desenvolver doutrinas de uma figura de linguagem. É evidente que estamos lidando com uma palavra que fala de aparências, não fatos. Quando olhamos para o corpo de um morto, essa pessoa parece dormir.

Tomados ao pé da letra, alguns trechos bíblicos impactantes destroem o conceito de sono da alma. Dois deles – 2Coríntios 5.6-8 e Filipenses 1.21-23 – já foram discutidos. Podemos acrescentar ainda várias outras passagens. Por exemplo, Lucas 16.19-31 relata a história do homem rico e Lázaro. Nessa passagem, Jesus ensina, incisivamente, que, ao morrerem, esses dois homens não foram reduzidos ao nível comum da não existência. A história não apenas perderia o sentido, mas ficaria muito enganosa. Seja uma parábola, seja um caso real, ela ensina que há vida imediatamente após a morte, que essa vida após a morte é consciente, que nessa vida após a morte os perdidos e os salvos ficam eternamente separados entre si e que os perdidos se lembrarão de alguns fatos de sua vida terrena.

Dessa forma, a existência consciente diferente para o homem rico e para Lázaro, simbolicamente descrita nessa parábola, deve ser um reflexo das condições do estado intermediário. Como tal, a parábola confirma o que aprendemos de outras passagens do Novo Testamento, a saber, que, imediatamente após a morte, os crentes serão levados para junto de Jesus, a fim de provisoriamente desfrutar de alegria em sua presença (provisoriamente porque o corpo deles ainda não foi ressuscitado), enquanto os incrédulos irão diretamente para um lugar de punição temporária.7

Outra passagem significativa é Lucas 20.38, onde o Senhor Jesus responde a uma pergunta dos saduceus sobre a vida após a morte. Os saduceus não apenas rejeitavam a ideia de uma ressurreição física, mas, de acordo com Atos 23.8, negavam a existência da alma após a morte. Jesus corrigiu ambos os erros ao apontar que Abraão, Isaque e Jacó não poderiam ter entrado em uma condição de não existência; eles existiam quando Deus apareceu a Moisés na sarça ardente (séculos depois da morte física deles), pois o Senhor se identificou como seu Deus. Os três patriarcas estavam bem vivos, embora não vivendo sobre a terra. Por fim, Jesus conclui afirmando que Deus é Deus de vivos.

Outras passagens que apontam para a vida após a morte incluem a declaração de Cristo ao ladrão na cruz de que este estaria com ele naquele dia no paraíso (Lucas 23.43) e também quando Jesus, na cruz, entrega (Lucas 23.46) seu espírito nas mãos do Pai (o que não teria qualquer sentido caso Jesus deixasse de existir no momento de sua morte).

À luz dessas evidências substanciais, é preciso rejeitar a teoria do sono da alma, pois é exegética e teologicamente defeituosa. Conclui-se, então, que, na morte, tanto salvos como não salvos experimentam continuidade de sua existência. Morte não é o fim do ser; antes, ela separa a alma do corpo. Na morte, o crente, que está “em Cristo” e jamais pode ser separado dele, é levado imediatamente à sua presença. Mesmo que ainda lhe falte o corpo glorificado, o crente conscientemente desfruta da presença gloriosa de Cristo no paraíso. Por outro lado, o incrédulo existe conscientemente em um lugar de castigo. Ele continuará ali até ser levantado dos mortos na ressurreição dos perdidos.

Notas

1 Louis Berkhof, Systematic Theology (Londres: Banner of Truth, 1949), p. 668.
2 Anthony Hoekema, The Four Major Cults (Grand Rapids: Eerdmans, 1970), p. 357.
3 Charles Hodge, Commentary of the Second Epistle to the Corinthians (Grand Rapids: Eerdmans, s.d.), p. 110.
4 Walter Martin, The Truth About Seventh-Day Adventism (Grand Rapids: Zondervan, 1960), p. 122.
5 Loraine Boettner, Immortality (Filadélfia: Presbyterian and Reformed, 1970), p. 101.
6 Ibid., p. 112.
7 Hoekema, The Four Major Cults, p. 358.

Este artigo foi adaptado de Manual de Escatologia Chamada, por Paul N. Benware.


extraido de:

https://www.chamada.com.br/mensagens/como_entender_a_morte_e_o_estado_intermedi%C3%A1rio.html

domingo, 17 de dezembro de 2023

FELIZ NATAL!

 


Mesmo sabendo que a escolha da data não tem nada a ver com o nascimento de Jesus. E que os romanos aproveitaram a festa pagã, chamada de Natalis Solis Invicti ("nascimento do sol invencível"), que era uma homenagem ao deus persa Mitra, popular em Roma uma importante festa pagã realizada por volta do dia 25 de dezembro e "cristianizaram" a data. Tendo comemorado o nascimento de Jesus pela primeira vez no ano 354. As comemorações aconteciam durante o solstício de inverno, o dia mais curto do ano. No hemisfério norte, o solstício não tem data fixa - ele costuma ser próximo de 22 de dezembro, mas pode cair até no dia 25. Sendo que com a descoberta que o ano tem 365 dias, 06 horas, 09 minutos e 13 segundos. Esses 9 minutos e 13 segundos a mais já faz uma grande diferença na real posição do Sol. É por esse e outros fatores que surgirá em breve uma Nova Ordem Mundial, com uma nova contagem dos tempos.
No entanto, mesmo diante do exposto, nós celebramos o Natal: O Natal é uma data comemorativa que simboliza o nascimento de Jesus Cristo. Esta celebração acontece a mais de 1.600 anos no dia 25 de dezembro.
Natal se refere a nascimento ou ao local onde alguma pessoa nasceu. O verdadeiro significado do Natal é o amor. João 3:16-17 diz: "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele." O verdadeiro significado do Natal é a celebração deste ato de amor incrível.
Portanto, celebremos o amor uns com os outros. O mundo precisa conhecer o verdadeiro amor. A verdadeira história do Natal é a história de Deus se tornando um ser humano na Pessoa de Jesus Cristo. E Deus fez isto porque Ele nos ama. O nascimento de Jesus e foi necessário porque precisávamos de um Salvador. E Deus nos ama tanto porque Ele é o próprio amor (1 João 4:8). Nós celebramos o Natal a cada ano como gratidão pelo que Deus fez por nós. Portanto, independente de data real ou não. Nós devemos celebrar o Nascimento do Menino Jesus. Pois foi a partir d’ELE que passamos a ter esperança de uma Vida Eterna. Sejamos gratos ao Bondoso Deus por tal proeza “Dar o seu Único Filho por amor de nós, mesmo sendo ainda pecadores”. Que este dia possa ser o ponto de partida para uma vida mais fraterna. Que Deus esteja sempre no centro de tudo. Que sejamos sempre gratos a ELE. Devemos sempre usar a frase “Até aqui nos ajudou o Senhor”. Pois o passado já vencemos e vamos construir o futuro. Desejo para você um Feliz Natal e um Novo Ano de bênçãos e Graças. Obrigado por acompanhar o blog em 2023, espero contar com você em 2024, pois nossa vida continua e precisa ser cada dia mais leve. Boas festas e um ano novo repleto de realizações. Lembre-se de transformar tempestade em copo d’água e não o contrário. Que Deus sempre o abençoe!