quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Pastores Eram Malvistos Quando Jesus Nasceu?

 

Quando nos aproximamos do Natal, muito se fala sobre a má fama dos pastores em Israel na época do nascimento de Jesus. Mas isso é verdade? O que é fato e o que é ficção nessa história?

Apresentando a lenda

A história do Natal é familiar para a maioria dos cristãos, incluindo uma manjedoura, um bebê, três magos, animais e pastores. Ela nos é tão conhecida que nada parece estar fora do lugar. Lucas 2.8-12 diz: “Havia, naquela mesma região, pastores que viviam nos campos e guardavam os seus rebanhos durante as vigílias da noite. E um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam, e a glória do Senhor brilhou ao redor deles; e ficaram tomados de grande temor. O anjo, porém, lhes disse: ‘Não tenham medo! Estou aqui para lhes trazer boa-nova de grande alegria, que será para todo o povo: é que hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto servirá a vocês de sinal: vocês encontrarão uma criança envolta em faixas e deitada em manjedoura’”. Os leitores originais do evangelho de Lucas tinham uma perspectiva diferente dessa cena. Do seu ponto de vista, seria escandaloso pensar que Deus poderia anunciar aos pastores o nascimento de Cristo como um bebê recém-nascido. Por que Deus convidaria pastores quando poderia ter convidado Herodes, o Grande, o sumo sacerdote ou César? Quem eram os pastores?

Os pastores eram párias da sociedade, sem dinheiro, sem educação e sem cultura. Eles deviam ser socialmente evitados. Se você estivesse caminhando por uma rua e um pastor viesse na sua direção, você cruzaria para o outro lado da rua. Você não gostaria de estar perto de um pastor. Na verdade, eles não podiam ser juízes, e seu testemunho era inválido no tribunal.

Eles também eram párias religiosos. Seu trabalho os fazia cerimonialmente impuros; logo, não lhes era permitida a entrada no templo. Eles eram considerados tão inferiores e sujos quanto prostitutas. Esses homens foram excluídos da sociedade judaica durante sua vida inteira, e Deus os convidou para o nascimento mais importante da história do mundo. Ele não convidou César, Herodes, o Grande, ou os líderes judeus; ele convidou pastores. E esse é um tema no evangelho de Lucas: Deus alcançando os marginalizados pela sociedade – os pobres, as mulheres e os escravos. Deus busca aqueles que vivem à margem da sociedade. Olhe para os homens que Jesus escolheu para serem seus discípulos. Muitos deles eram pescadores destreinados e incultos. Outro era um judeu traidor: um coletor de impostos. Jesus elevou os marginalizados e fez deles líderes de seu ministério na terra. Perceber isso deveria nos dar esperança. Se Deus alcança aqueles que estão à margem, certamente pode alcançar você e eu.

Desvendando a lenda

Muitos estudiosos chegaram à conclusão de que os pastores eram párias da sociedade e repetiram esse conceito vez após vez. Por exemplo, Farrar disse, em 1893: “Os pastores nessa época eram uma classe desprezada”. Strack e Billerbeck (1924) disseram: “Os pastores eram pessoas desprezadas”. Stein (1992) afirmou: “Em geral, pastores eram desonestos e impuros de acordo com os padrões da lei. Eles representam os excluídos e pecadores pelos quais Jesus veio”. Butler (2000) disse: “Pastorear tinha deixado de ser um negócio familiar, como nos tempos de Davi, para ser uma ocupação desprezada”. Por fim, Utley (2004) declarou: “Os rabinos os consideravam como párias religiosos, e seu testemunho não era admissível no tribunal”. Essas são apenas algumas citações de estudiosos ao longo dos últimos cento e poucos anos.[1]

Três fontes principais são utilizadas para se chegar a essa conclusão. Primeiro, Aristóteles é citado como tendo dito que, entre as pessoas, “os pastores são os mais preguiçosos, que levam uma vida ociosa e obtêm sem problemas o seu sustento de animais domesticados; seus rebanhos vão de um lugar a outro em busca de pasto, e eles são compelidos a segui-los, cultivando uma espécie de fazenda viva”.[2] Aristóteles declarou que o pastoreio é fácil por causa dos animais envolvidos.

Usar Aristóteles como informação básica para a compreensão de Lucas 2 tem dois problemas. Primeiro, Aristóteles não era judeu e não vivia em Israel; ele era grego e vivia na Grécia. Suas visões a respeito do pastoreio são praticamente irrelevantes para o judaísmo do primeiro século. Segundo, ele viveu mais de 300 anos antes do nascimento de Cristo. Isso também faz que sua visão não seja útil para entender o Novo Testamento. Ele viveu em uma cultura diferente, em uma sociedade diferente, durante uma época diferente.

Os estudiosos recorrem a diversas fontes para selecionar material do pano de fundo judaico para o Novo Testamento. As duas principais fontes usadas para entender os pastores no Israel do primeiro século são a Mishná e o Talmude Babilônico.[3] A Mishná é uma coletânea de ditados rabínicos, em que os rabinos debatiam questões referentes ao Antigo Testamento e à lei mosaica. Essa coleção de tradições rabínicas provém do período desde antes do início do ministério público de Cristo e indo até por volta de 200 d.C. Ela foi escrita entre 200 e 250 d.C. Essas tradições contidas na Mishná podem, às vezes, ser úteis para entender o Novo Testamento, dependendo de diversos fatores (como a data em que o rabino é citado).[4]

A segunda fonte é o Talmude Babilônico. Essa obra, compilada por volta de 500 d.C., contém interpretações rabínicas do Antigo Testamento e interpretações baseadas na Mishná. A Mishná contém debates rabínicos sobre a interpretação e aplicação corretas da lei do Antigo Testamento, e o Talmude contém rabinos debatendo o conteúdo da Mishná. Em geral, a informação no Talmude não é útil para interpretar o Novo Testamento. Muitas das citações são simplesmente tardias demais para serem úteis de forma confiável, pois os rabinos estão muito afastados do contexto do primeiro século.

Eu não consegui encontrar uma única fonte de Israel no primeiro século que apoiasse a visão de que pastores eram párias da sociedade.

Além de Aristóteles, um comentário de Fílon e uma afirmação na Mishná, a maioria das citações usadas para demonstrar que os pastores eram desprezados foi tirada do Talmude Babilônico. Eu não consegui encontrar uma única fonte de Israel no primeiro século que apoiasse a visão de que pastores eram párias da sociedade. Portanto, esse ponto de vista é datado depois dos eventos sendo estudados em Lucas 2. É uma informação não confiável e deveria ser descartada da interpretação dos Evangelhos.

Pistas contextuais

Uma pista no contexto, um indício sutil, apoia a visão oposta da lenda. Lucas 2.18 diz: “Todos os que ouviram se admiraram das coisas relatadas pelos pastores”. Eles não estavam admirados porque pastores as estavam relatando; eles estavam admirados pela mensagem dos pastores. Se pastores eram vistos como excluídos da sociedade, as pessoas ficariam chocadas que eles estivessem envolvidos no processo. Em vez disso, ficaram maravilhadas com a história em si. Isso é uma pista contextual de que os pastores não eram considerados párias da sociedade.

Um breve retrato bíblico de pastores

Há uma evidência melhor para a ideia de que pastores não eram vistos como marginalizados: o retrato bíblico dos pastores como um todo. A descrição dos pastores no Antigo e Novo Testamentos seria formativa para a mente dos judeus e dos cristãos do primeiro século.

Começando no Antigo Testamento, Abraão era pastor. Gênesis 13 o descreve como possuindo muito gado, manadas e rebanhos de ovelhas. Êxodo 3.1a diz que Moisés era pastor: “Moisés apascentava o rebanho de Jetro, o seu sogro, sacerdote de Midiã”. Davi era pastor (de acordo com 1Sm 17) e cuidava dos rebanhos de seu pai. Esses três homens são pilares do Antigo Testamento. Abraão, Moisés e Davi estão todos conectados com a atividade do pastoreio, e todos os três eram muito estimados na sociedade judaica.

Abraão, Moisés e Davi estão todos conectados com a atividade do pastoreio, e todos os três eram muito estimados na sociedade judaica.

Deus também é retratado como um pastor no Antigo Testamento. Um dos versículos mais famosos de toda a Escritura proclama o seguinte: “O Senhor é o meu pastor” (Sl 23.1a). Gênesis 49.24 diz: “O seu arco, porém, permanece firme, e os seus braços são feitos ativos pelas mãos do Poderoso de Jacó, sim, pelo Pastor e pela Pedra de Israel”. Salmos 80.1 diz: “Dá ouvidos, ó pastor de Israel…”. O Senhor fala em Ezequiel 34.12, dizendo: “Como o pastor busca o seu rebanho, no dia em que encontra ovelhas dispersas, assim buscarei as minhas ovelhas. Eu as livrarei de todos os lugares por onde foram espalhadas no dia de nuvens e densas trevas”. Muitos outros poderiam ser citados, mas esses já são o suficiente. Um judeu no primeiro século conectaria o pastoreio a Abraão, Moisés, Davi e ao próprio Deus.

No Novo Testamento, Jesus está intimamente ligado ao tema do pastor. Mateus 2.6 descreve Jesus como um pastor: “E você, Belém, terra de Judá, de modo nenhum é a menor entre as principais de Judá; porque de você sairá o Guia que apascentará o meu povo, Israel”. Se pastores fossem vistos como párias da sociedade, é bastante duvidoso que Mateus ligaria Jesus à terminologia pastoral. Ele o faz novamente em Mateus 26.31: “… porque está escrito: ‘Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho ficarão dispersas’”. A passagem mais poderosa que liga Jesus ao tema do pastor é João 10. Jesus fala sobre pastoreio e se coloca no papel do pastor, chamando a si mesmo de “o bom pastor” (Jo 10.11). Isso seria um paradoxo se pastores fossem vistos como prostitutas. Há referências a Jesus como pastor até mesmo fora dos Evangelhos (veja Hb 13.20; 1Pe 2.25; 5.4). Não há hesitação no Novo Testamento em referir-se a Jesus como pastor.

O retrato bíblico de um pastor é extremamente positivo no Antigo e Novo Testamentos.

Por fim, líderes de igrejas são chamados de pastores. Em Atos 20.28, Paulo explica que aqueles que supervisionam devem “pastorea[r] a igreja de Deus”. Pedro diz aos líderes eclesiásticos que “pastoreiem o rebanho de Deus que há entre vocês” (1Pe 5.2). Não se vê qualquer sinal de vergonha em referir-se aos líderes de igrejas como pastores.

Muitos estudiosos ensinaram que pastores eram marginalizados pela sociedade no Israel do primeiro século. Suas fontes são datadas, geralmente, de muitos anos depois do período do Novo Testamento, além de Aristóteles, que era de uma cultura diferente e viveu 300 anos antes de Jesus. Lucas 2.18 parece inclinar-se contra a visão dos pastores como párias. O retrato bíblico de um pastor é extremamente positivo no Antigo e Novo Testamentos.

Aplicação

Embora pastores não fossem excluídos da sociedade, eles estavam em uma classe inferior e representavam os pobres e humildes.[5] Deus escolheu usar os componentes pobres e humildes da sociedade para divulgar o seu maravilhoso anúncio do nascimento de seu Filho. Jesus não é apenas para os ricos.

Igualmente, Lucas 2 conta a história de um evento essencial na história da humanidade. Deus e seus anjos estão empolgados e querem regozijar-se com o que está acontecendo. Esse é o começo de uma vida que será vivida em total submissão e obediência a Deus. Jesus, o segundo Adão, veio e ele providenciará perdão dos pecados e reconciliação com Deus. É por isso que Deus e seus anjos estão tão alegres, pois a história está começando. Deveríamos estar animados e contar apaixonadamente aos outros sobre como Jesus veio e o que ele fez.

Notas

  1. F. W. Farrar, The Gospel According to St Luke (Cambridge: Cambridge University Press, 1893), p. 112; Herman L. Strack e Paul Billerbeck, Kommentar zum Neuen Testament aus Talmud und Midrasch, 6 vols. (Munique, Alemanha: Beck, 1924), 2:113 (tradução do autor); Robert H. Stein, Luke (Nashville: B&H, 1992), p. 108; Trent C. Butler, Luke (HNTC) (Nashville: B&H, 2000), p. 29; Robert James Utley, The Gospel According to Luke (Marshall, TX: Bible Lessons International, 2004), Lucas 2.8.
  2. Aristóteles, Politics, 1.8; citado em James S. Jeffers, The Greco-Roman World of the New Testament Era: Exploring the Background of Early Christianity (Downers Grove: InterVarsity, 1999), p. 21; Matthew Montonini, “Shepherd”, The Lexham Bible Dictionary, ed. John D. Barry e Lazarus Wentz (Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2012). É possivelmente por esse motivo que Fílon, On Husbandry, p. 61, refere-se ao “cuidado de bodes ou ovelhas” como “inglório”.
  3. Estudiosos também usam Fílon de Alexandria (judeu helenístico do primeiro século), Josefo (judeu do primeiro século) e obras intertestamentárias apócrifas e pseudepigráficas.
  4. Embora eu não tenha encontrado nenhuma fonte que cite a Mishná, Qidduchin 4.14 poderia ser citado como uma evidência de uma visão negativa em relação aos pastores. Essa visão foi dada pelo rabino Abba Gurion, de Sidom, e é datada por volta de 165-200 d.C. Evidências ao contrário na Mishná incluiriam Bekhorot 5.4: “Acredita-se que os pastores israelitas [testemunham que as manchas apareceram sem querer]”.
  5. Embora essa aplicação possa soar semelhante ao ensino lendário, dizer que alguém é “pobre e humilde” é radicalmente diferente de compará-lo a uma prostituta. Alcançar a aplicação correta usando os dados errados não é um caminho hermenêutico apropriado.

Este artigo foi adaptado de Lendas Urbanas do Novo Testamento, por David A. Croteau.

  • David A. Croteau

    David A. Croteau (Ph.D., Southeastern Baptist Theological Seminary) é deão do seminário e da escola de ministério da Columbia International University desde 2021. Ele leciona cursos de Novo Testamento e grego e é membro da Evangelical Theological Society. Dr. Croteau já ensinou em vários países ao redor do mundo.

  • Estraido de: https://chamada.com.br/os-pastores-eram-malvistos-quando-jesus-nasceu/

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Encarnação da Graça: Natal

 

Qual é o verdadeiro sentido do Natal? Trata-se do nascimento do seu Salvador, a mão estendida de Deus que devemos agarrar para poder viver em paz e plena felicidade com Deus, por meio de Jesus Cristo, que é a graça personificada.

De que trata o Natal? Certamente não é por causa dos presentes, de uma boa ceia e de bebidas inebriantes, nem por causa de religião, nem do boi ou do burro ou um bebezinho lindo numa manjedoura. Tudo isso seria muito pouco para fazer jus ao significado do Natal. Trata-se do nascimento de um bebê que faz todo o restante perder o valor. “Porque não pregamos a nós mesmos, mas a Jesus Cristo como Senhor…” (2Coríntios 4.5).

Isso vai muito além e trata também de nosso relacionamento com Deus o qual se tornou um ser humano por meio desse bebê, para restabelecer a comunhão conosco. Foi por isso que ele nasceu de uma virgem. O nascimento virginal de modo algum é um detalhe sem importância, mas compreende tanto a divindade como a impecabilidade do Senhor Jesus.

Em vista disso, Jesus não é apenas um bom homem, mas, conforme Pedro testemunhou, “o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mateus 16.16). Sendo o Cristo, também é o Ungido, diretamente enviado de Deus, o Salvador; como o Filho do Deus vivo, ele mesmo é Deus, inseparavelmente unido com Deus… de eternidade a eternidade.

Se Jesus não tivesse nascido de uma virgem, ele seria apenas uma pessoa, talvez até uma pessoa boa e extraordinária, mas não seria Deus; ele seria impregnado com o pecado – esse mal com o qual todas as pessoas estão infectadas desde a ocorrência do pecado original. Se Jesus fosse um pecador, ele nunca poderia eliminar o pecado de outros.

Todavia, foi justamente este o motivo da sua vinda: vencer a morte, o salário do pecado; purificar as pessoas; reconciliar o mundo com ele mesmo.

Esse propósito estaria fadado ao fracasso desde o começo se Jesus fosse apenas um simples homem infectado pelo pecado. Trata-se de uma linha de pensamento lógica.

No entanto, se o pecado conduz inevitavelmente à morte, conforme testificam as Escrituras Sagradas (Romanos 5.12), então o Senhor Jesus, sendo o Cordeiro do sacrifício propiciatório, estava sem nenhum pecado. Caso contrário, ele não teria sido um sacrifício digno e agradável a Deus, nem estaria em condições de vencer a morte. Vemos que a ausência de pecado do Salvador é uma condição obrigatória para a salvação. Por sua vez, isso significa que, em última análise, tudo é consequência do nascimento virginal – tão ridicularizado pelo mundo.

Aprendendo com Maria e Isabel

Maria, a “agraciada” (Lucas 1.28), até hoje é a única virgem que gerou um nascimento físico sem nenhuma intervenção da medicina. Ela foi escolhida por Deus para gerar o Salvador do mundo, Jesus Cristo. E essa escolha de fato transferiu Maria para a condição de mulher excepcional. Nenhuma outra pessoa recebeu tal graça. E tal procedimento jamais se repetirá.

Isabel, uma parente de Maria, que ficou grávida pouco tempo antes e que seria mãe de João Batista, também reconheceu isso quando Maria foi visitá-la, exclamando: “Bendita é você entre as mulheres, e bendito o fruto do seu ventre!” (Lucas 1.42).

O interessante é que, se desconsiderarmos o nascimento virginal, a gravidez de Isabel foi mais extraordinária do que a de Maria. Acontece que Isabel já era idosa e até estéril! Resumindo, sua gestação era algo sensacional, sim, um milagre. Mesmo assim, Isabel não se orgulhou de sua gravidez, mas elogiou a jovem Maria.

Isabel não reconheceu Maria apenas como uma mulher grávida, mas como a agraciada. Ela reconheceu que o bebê no ventre de Maria não era apenas um amontoado qualquer de células, mas o Messias, o Salvador e Filho de Deus.

É interessante observar que também o pequeno João se agitou no ventre de sua mãe quando as duas mulheres se cumprimentaram. “Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre. Então Isabel ficou cheia do Espírito Santo” (Lucas 1.41). Tudo o que ocorreu ali realmente não foi algo normal, mas a ação de Deus e do Espírito Santo, de maneira que até o embrião se agitou de alegria quando se encontrou com o Filho de Deus.

A graça de Deus e o falar de Deus vão além de qualquer sensatez humana. Isabel reconheceu essa situação extraordinária e, dessa forma, elogiou Maria. Apesar disso, a própria Maria era pecadora – nascida em pecado – e dependente da graça de Deus. Também ela foi salva unicamente mediante a fé na graça de Deus, revelada no seu Filho Jesus Cristo.

É o que está escrito no louvor de Isabel: “Bem-aventurada a que creu, porque serão cumpridas as palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor” (Lucas 1.45).

Maria se destacava por sua singela confiança em Deus. E essa confiança gerou a obediência e observação da Palavra de Deus.

Para a salvação de Maria – a salvação da sua alma –, o primordial não era ter sido escolhida para trazer o Filho de Deus ao mundo, mas a sua fé (veja Lucas 11.27-28), que ela mesma expressou: “Aqui está a serva do Senhor; que aconteça comigo conforme a sua palavra” (Lucas 1.38a). Que testemunho maravilhoso! Ele revela a humildade e a fé incondicional dessa jovem.

É muito provável que ela não havia compreendido o alcance total do que ocorreu, mas ela se submeteu voluntária e confiadamente.

Maria se destacava por sua singela confiança em Deus. E essa confiança gerou a obediência e observação da palavra de Deus.

Entendendo a graça de Deus

Analisemos um aspecto adicional. Quando o anjo Gabriel anunciou o nascimento virginal para Maria, ele a saudou afetivamente e quase com euforia: “Alegre-se, agraciada! O Senhor está com você” (Lucas 1.28). Isso era algo totalmente incomum para uma mulher – ainda mais se essa fosse muito jovem – ser cumprimentada dessa maneira; nem por parte de um homem, muito menos por um anjo.

Esse encontro realmente não foi algo da vida cotidiana e, assim, a sua consequente reação é algo mais do que compreensível: “Ela, porém, ao ouvir esta palavra, perturbou-se muito e pôs-se a pensar no que poderia significar esta saudação” (Lucas 1.29). Ela ficou admirada com o anúncio do nascimento: “Como será isto, se eu nunca tive relações com homem algum?” (Lucas 1.34).

Todavia, o que afinal é abrangido pela graça de Deus? Vamos pensar um pouco sobre isso. Entre outros, a graça de Deus abrange o seu falar com as pessoas, como aconteceu aqui por meio do anjo Gabriel. É graça de Deus quando ele fala às pessoas e, ao mesmo tempo, concede a possibilidade de falar com ele. É o que acontece hoje em e por meio de Jesus Cristo, o qual é o sumo sacerdote da nova aliança e o sacrifício propiciatório (Hebreus 10.19; Colossenses 1.15-23). Nele podemos nos relacionar com Deus e, por meio dele, somos até filhos de Deus. Temos a possibilidade de nos comunicar com Deus por meio da leitura da Bíblia e da oração, e isso não é somente um privilégio, mas verdadeira graça.

No entanto, a graça de Deus não é como algo aceito automaticamente, mas sempre requer fé. De alguma maneira, Deus dispõe a sua graça para todas as pessoas; o nascimento do Senhor Jesus não aconteceu apenas para os pastores, os magos e as pessoas daquela época, mas o nascimento aconteceu para todos nós. As boas novas, a Palavra de Deus, valem para todos.

A graça de Deus não é como algo aceito automaticamente, mas sempre requer fé.

Deus fala em e por meio de seu Filho para todas as pessoas; o sacrifício do Senhor Jesus favorece a todos, mas cada pessoa é convidada a reivindicar essa graça. Na regra, o mesmo acontece com os presentes de Natal. Possivelmente haja um presentinho sob a árvore de Natal, talvez alguém o entregue em suas mãos ou o seu nome está escrito nele; no entanto, recebê-lo de coração, abrir e apropriar-se dele é algo que você mesmo precisa fazer. É o que acontece também com o maior presente de Deus para a humanidade. No que depende de Deus, já está tudo feito.

O Salvador veio ao mundo. O Filho de Deus se tornou homem para, alguns anos mais tarde, entregar-se voluntariamente como Cordeiro sacrificado por você e por mim. E este presente está disponível para você – isso é graça! Contudo, Deus não obriga ninguém a aceitá-lo. Recebê-lo de coração, abrir com fé e confiança e reivindicá-lo na vida cotidiana é algo que você mesmo precisa fazer. Ninguém pode assumir essa decisão por você.

Um exemplo das Escrituras Sagradas pode esclarecer isso para nós: o evangelista Lucas relata sobre a cura de dez leprosos (Lucas 17.11-14). A graça de Deus representa a cura de todos os dez homens. Nenhum deles foi excluído. No entanto, não há nada escrito sobre perdão de pecados e da cura do espírito e da alma. Dito em outras palavras: esses dez receberam da graça de Deus (todos foram ricamente presenteados), mas nem por isso eles estavam salvos. Somente a fé conduz à salvação, conforme podemos ver na continuação.

“Um dos dez, vendo que estava curado, voltou dando glória a Deus em alta voz e prostrou-se com o rosto em terra aos pés de Jesus, agradecendo-lhe. E este era samaritano. Então Jesus perguntou: ‘Não eram dez os que foram curados? Onde estão os nove? Não se achou quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?’ E lhe disse: ‘Levante-se e vá; a sua fé salvou você’” (Lucas 17.15-19). Apenas um dos dez havia recebido a graça por meio da fé e abriu o laço do presente. Quando lembramos que, também hoje, muitas pessoas simplesmente desdenham da graça de Deus e não aproveitam sua demonstração de amor, não podemos deixar de ver o trágico nisso.

José e Maria e a liderança religiosa

Diante de todas as instruções recebidas, inclusive sobre o nome da criança (Lucas 1.31), José e Maria sempre obedeceram – inclusive quando se tratava de ir ao Egito ou de lá retornar. Será que eles não saberiam melhor onde o filho deles deveria nascer, como deveria ser chamado, como ele devia ser criado…?

Não, eles simplesmente creram e aplicaram a sua fé na prática. Isso, por sua vez, é uma prova da integridade de José e Maria. Eles não se mantiveram obstinados nem preconceituosos diante da palavra do Deus vivo. Os dois constantemente mantinham a palavra de Deus em seus corações e a faziam valer em sua vida.

Esse casal serve de contraste aos estudiosos escribas e sacerdotes dogmaticamente incrustados, que não tinham mais nenhuma receptividade à viva Palavra de Deus e se mantinham colados na letra, questionando tudo, em vez de permitir que a Palavra agisse em suas vidas. Isso não nos leva imediatamente a lembrarmos da situação desoladora de muitas igrejas e teólogos atuais? Cada um pode formar seu próprio quadro; nós, porém, seguimos com Jesus.

O nome Jesus, ou Yeshua, significa “[Yahweh é] salvador”. Yahweh é o eterno, o “Eu Sou”, o único verdadeiro Deus de Israel. E aqui o nome realmente é o plano. Não se tratava simplesmente do nascimento de uma criança, mas do Salvador, exatamente como foi anunciado a José: “Ela dará à luz um filho e você porá nele o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mateus 1.21).

Essa libertação dos pecados – libertação das trevas para a luz – não está limitada ao povo judeu, mas abrange o mundo inteiro. “E não há salvação em nenhum outro, porque debaixo do céu não existe nenhum outro nome [além de Jesus Cristo], dado entre homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (Atos 4.12).

Essa libertação dos pecados – libertação das trevas para a luz – não está limitada ao povo judeu, mas abrange o mundo inteiro.

Diante de Maria, o anjo Gabriel confirmou: “Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo” (Lucas 1.32a). Na verdade, trata-se do nascimento de uma criança sem igual. Jesus é maior! Maior do que Moisés, maior do que a Lei. Maior do que Elias e maior do que todos os profetas. Maior do que Arão e maior do que todos os sacerdotes. Maior do que Salomão e maior do que todos os reis. Maior do que os anjos e maior do que o templo. E, naturalmente, maior do que Maria – para voltarmos à agraciada virgem.

Qual era o motivo que levou o anjo Gabriel a seguir para Nazaré e anunciar esse nascimento extraordinário a José e Maria? Não era pela cidade, nem pelos seus habitantes, mas era por uma criança que ainda nem havia nascido. Ao louvar Maria, Isabel falou: “… e bendito o fruto do seu ventre!” (Lucas 1.42).

O fruto do ventre de Maria; o Filho unigênito de Deus, é o motivo da bênção e da graça da qual Maria também foi participante. Por meio do fruto do ventre – por meio de Jesus – também a mamãe é honrada, e não o contrário.

Em continuação, Isabel menciona a “mãe do meu Senhor”, não o “filho de minha senhora” (Lucas 1.43). A mãe não é maior do que o Senhor, mas Jesus, o Senhor, é maior e se encontra no ponto central, acima de tudo e de todos. Assim, o destaque marcante do Natal não é o tamanho, o peso e a circunferência da cabeça de uma criança normal, mas o nascimento de Cristo, o bebê mais excepcional de todos os tempos.

“Por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus” (Lucas 1.35b). Observe que não está escrito que esse bebê algum dia seria declarado santo ou que ele buscaria a santificação, mas que ele é santo. Conseguimos ter uma noção sobre quem se tornou homem? Esse nascimento é e continuará sendo a encarnação daquele que é o primogênito de toda a Criação e, assim, o próprio Criador.

O sentido do Natal

Por meio do nascimento do Senhor Jesus, a graça de Deus se manifestou de maneira especial. É por isso que o Natal envolve principalmente o nosso relacionamento com Deus, o qual se tornou humano nessa criança a fim de restabelecer a comunhão conosco.

Isto é Natal: o nascimento do nosso Salvador, a mão estendida de Deus que devemos agarrar para poder viver em paz e plena felicidade com Deus, por meio de Jesus Cristo, que é a graça personificada.

E você, não gostaria de acompanhar o testemunho de Isabel e Maria? Maria disse: “Aqui está a serva do Senhor; que aconteça comigo conforme a sua palavra” (Lucas 1.38), e Isabel testemunhou: “Bem-aventurada a que creu” (Lucas 1.45). Isso continua valendo hoje: a fé em Jesus Cristo pode transformar você num filho de Deus.

Se você também puder dizer, em obediência e confiadamente: “Aqui está a serva do Senhor; que aconteça comigo conforme a sua palavra”, então você não apenas compreendeu o valor do Natal, mas todo o sentido da sua própria vida.

Isto é Natal: o nascimento do seu Salvador, a mão estendida de Deus que devemos agarrar para poder viver em paz e plena felicidade com Deus, por meio de Jesus Cristo, que é a graça personificada.

  • Thomas Lieth

    Thomas Lieth nasceu em 1965 na Alemanha. Casado com Patricia, tem dois filhos e uma filha. Thomas é colaborador e pregador, completando seus estudos teológicos na Bibelschule Neues Leben, em Wölmersen, Alemanha. É um dos responsáveis pelo trabalho editorial da Chamada na Suíça.

  • Reproduzido de: https://chamada.com.br/natal-a-encarnacao-da-graca/