18/01/2009 - 09h43
MARCELO NINIO enviado especial da Folha de S. Paulo a Sderot (Israel)
Poucas vezes houve em Israel apoio tão maciço a uma operação militar. Mais impressionante até que as pesquisas de opinião e os índices de aprovação acima de 90% é a sintonia entre população e governo.
"É doloroso ver crianças sendo mortas em Gaza, mas o culpado é o Hamas, que se esconde entre civis. Israel se conteve durante oito anos enquanto sofria ataques diários de foguetes. Chegou a hora de reagir e acabar com isso de uma vez por todas. País nenhum do mundo toleraria essa situação".
O discurso podia ter sido mais um dos muitos feitos pela chanceler israelense, Tzipi Livni, nas últimas três semanas para justificar a ofensiva. Mas quem enfileira as frases de forma pausada, é Efrat, 25, estudante de cinema na Faculdade Sapir, que fica na cidade de Sderot, o principal alvo dos foguetes disparados de Gaza.
Há poucos dias, Efrat viveu a rara experiência de sentir-se em minoria ao defender suas opiniões sobre a guerra, durante um debate com colegas de turma. Considerada uma das melhores escolas de cinema de Israel, a Faculdade Sapir tem entre seus estudantes e professores representantes de uma esquerda pacifista que tem cada vez menos voz.
"Fui atacada pelos meus colegas, alguns deles árabes israelenses, que acham a guerra imoral. Foi estranho estar em minoria quando fora dali a situação é bem diferente", conta.
Mesmo entre intelectuais, artistas e jornalistas, tradicionalmente a linha de frente da oposição a aventuras militares nos territórios palestinos, há poucas vozes dissonantes. Diante do clamor mundial provocado pelas vítimas civis dos ataques, a sensação geral é que Israel está sendo injustiçado.
Com o apoio incontestável do público doméstico, os governantes ganham carta branca para agir contra o inimigo. A pressão internacional, sobretudo às vésperas de uma eleição nacional, mantida para 10 de fevereiro, torna-se um elemento menor na equação. A questão passou a ser não se o Hamas deve ser atacado, mas se ele pode ser derrubado.
"Onde estava a opinião pública mundial nos oito anos em que caíram foguetes nas cidades do sul de Israel?", questiona o escritor e historiador Gadi Taub, da Universidade de Jerusalém. "Se São Paulo fosse atacada durante tanto tempo, duvido que o governo brasileiro ficaria de braços cruzados".
O período de oito anos em que passaram a chover foguetes disparados de Gaza sobre a população do sul de Israel foi testemunha do dramático enfraquecimento da esquerda.Do meio dos anos 90, em que os acordos com a OLP (Organização para Libertação da Palestina) de Iasser Arafat pareciam encaminhar os dois povos para o fim de décadas de conflito, até o colapso desse processo, em 2000, a percepção do público foi capturada pela desconfiança em relação aos palestinos, levando a balança política a pender claramente para a direita.
A vitória dos fundamentalistas do Hamas nas eleições palestinas, em 2006, e sua recusa em reconhecer o direito de existência de Israel, reforçaram essa percepção, capitalizada pelo governo israelense. Se o Hamas não reconhece Israel, e Israel não reconhece o Hamas, o "diálogo" é travado com um interminável ciclo de violência.
Gadi Taub rejeita a tese de que o apoio quase unânime à guerra seja produto de uma guinada à direita do público israelense, e a desistência do projeto de dois Estados para dois povos, a base do processo de paz.
"É justamente o contrário. A guerra em Gaza é necessária para que Israel possa se retirar da Cisjordânia", diz Taub, que se considera de esquerda. "Se os extremistas do Hamas se fortalecerem e começarem a lançar foguetes contra Tel Aviv, aí sim, o projeto de dois Estados estará morto".
As vozes contra a guerra são raras e solitárias. O colunista Gideon Levy, do jornal de centro-esquerda "Haaretz", o mais influente de Israel, tornou-se um símbolo dessa resistência, e vem recebendo críticas até de veteranos pacifistas, como o escritor A. B. Yehoshua.
Em carta aberta publicada na sexta, Yehoshua condena Levy por não estender as ferozes críticas que faz aos governantes israelenses ao Hamas, por guerrear no meio de civis, disparar foguetes e armazenar armas "em sua luta amarga e sem sentido para destruir Israel".
A colina próxima de Sderot que serve de ponto de observação dos ataques em Gaza para jornalistas de todo o mundo, impedidos de entrar no território pelo Exército israelense, virou também lugar de peregrinação para famílias inteiras.
"Costumava brincar de cowboy aqui quando era criança", conta o eletricista Avi, 40, nascido e criado em Sderot, enquanto acompanha com os três filhos pequenos a fumaça que sobe da Cidade de Gaza, pouco mais de um quilômetro adiante. "Não importa o que o mundo diga. Quero que meus filhos possam voltar a brincar aqui, sem medo de foguetes".
MARCELO NINIO enviado especial da Folha de S. Paulo a Sderot (Israel)
Poucas vezes houve em Israel apoio tão maciço a uma operação militar. Mais impressionante até que as pesquisas de opinião e os índices de aprovação acima de 90% é a sintonia entre população e governo.
"É doloroso ver crianças sendo mortas em Gaza, mas o culpado é o Hamas, que se esconde entre civis. Israel se conteve durante oito anos enquanto sofria ataques diários de foguetes. Chegou a hora de reagir e acabar com isso de uma vez por todas. País nenhum do mundo toleraria essa situação".
O discurso podia ter sido mais um dos muitos feitos pela chanceler israelense, Tzipi Livni, nas últimas três semanas para justificar a ofensiva. Mas quem enfileira as frases de forma pausada, é Efrat, 25, estudante de cinema na Faculdade Sapir, que fica na cidade de Sderot, o principal alvo dos foguetes disparados de Gaza.
Há poucos dias, Efrat viveu a rara experiência de sentir-se em minoria ao defender suas opiniões sobre a guerra, durante um debate com colegas de turma. Considerada uma das melhores escolas de cinema de Israel, a Faculdade Sapir tem entre seus estudantes e professores representantes de uma esquerda pacifista que tem cada vez menos voz.
"Fui atacada pelos meus colegas, alguns deles árabes israelenses, que acham a guerra imoral. Foi estranho estar em minoria quando fora dali a situação é bem diferente", conta.
Mesmo entre intelectuais, artistas e jornalistas, tradicionalmente a linha de frente da oposição a aventuras militares nos territórios palestinos, há poucas vozes dissonantes. Diante do clamor mundial provocado pelas vítimas civis dos ataques, a sensação geral é que Israel está sendo injustiçado.
Com o apoio incontestável do público doméstico, os governantes ganham carta branca para agir contra o inimigo. A pressão internacional, sobretudo às vésperas de uma eleição nacional, mantida para 10 de fevereiro, torna-se um elemento menor na equação. A questão passou a ser não se o Hamas deve ser atacado, mas se ele pode ser derrubado.
"Onde estava a opinião pública mundial nos oito anos em que caíram foguetes nas cidades do sul de Israel?", questiona o escritor e historiador Gadi Taub, da Universidade de Jerusalém. "Se São Paulo fosse atacada durante tanto tempo, duvido que o governo brasileiro ficaria de braços cruzados".
O período de oito anos em que passaram a chover foguetes disparados de Gaza sobre a população do sul de Israel foi testemunha do dramático enfraquecimento da esquerda.Do meio dos anos 90, em que os acordos com a OLP (Organização para Libertação da Palestina) de Iasser Arafat pareciam encaminhar os dois povos para o fim de décadas de conflito, até o colapso desse processo, em 2000, a percepção do público foi capturada pela desconfiança em relação aos palestinos, levando a balança política a pender claramente para a direita.
A vitória dos fundamentalistas do Hamas nas eleições palestinas, em 2006, e sua recusa em reconhecer o direito de existência de Israel, reforçaram essa percepção, capitalizada pelo governo israelense. Se o Hamas não reconhece Israel, e Israel não reconhece o Hamas, o "diálogo" é travado com um interminável ciclo de violência.
Gadi Taub rejeita a tese de que o apoio quase unânime à guerra seja produto de uma guinada à direita do público israelense, e a desistência do projeto de dois Estados para dois povos, a base do processo de paz.
"É justamente o contrário. A guerra em Gaza é necessária para que Israel possa se retirar da Cisjordânia", diz Taub, que se considera de esquerda. "Se os extremistas do Hamas se fortalecerem e começarem a lançar foguetes contra Tel Aviv, aí sim, o projeto de dois Estados estará morto".
As vozes contra a guerra são raras e solitárias. O colunista Gideon Levy, do jornal de centro-esquerda "Haaretz", o mais influente de Israel, tornou-se um símbolo dessa resistência, e vem recebendo críticas até de veteranos pacifistas, como o escritor A. B. Yehoshua.
Em carta aberta publicada na sexta, Yehoshua condena Levy por não estender as ferozes críticas que faz aos governantes israelenses ao Hamas, por guerrear no meio de civis, disparar foguetes e armazenar armas "em sua luta amarga e sem sentido para destruir Israel".
A colina próxima de Sderot que serve de ponto de observação dos ataques em Gaza para jornalistas de todo o mundo, impedidos de entrar no território pelo Exército israelense, virou também lugar de peregrinação para famílias inteiras.
"Costumava brincar de cowboy aqui quando era criança", conta o eletricista Avi, 40, nascido e criado em Sderot, enquanto acompanha com os três filhos pequenos a fumaça que sobe da Cidade de Gaza, pouco mais de um quilômetro adiante. "Não importa o que o mundo diga. Quero que meus filhos possam voltar a brincar aqui, sem medo de foguetes".
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