Muitos ocidentais gostam de pensar que a religião não tem nenhum papel na  política moderna. Entretanto, a crença na figura messiânica do islamismo,  denominada o Mahdi ou o Imã Oculto (ou Escondido), é que dirige as políticas do  presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. Os xiitas crêem que o Mahdi voltará,  governará sobre um sistema único na terra, e derramará o julgamento sobre todos  os não-muçulmanos. Este artigo apresenta a doutrina do mahdismo e mostra como  ela afeta o mundo. (extraído de Middle East Media Research Institute [Instituto  de Pesquisa Sobre a Mídia do Oriente Médio] – www.MEMRI.org).
 De acordo com a tradição xiita, os Doze Imãs, descendentes de Ali Ibn Abi  Talib (Imã Ali), primo e genro do profeta Maomé, foram dotados de qualidades  divinas que os capacitaram a conduzir os crentes xiitas e para operarem como  emissários de Alá na terra. No entanto, quando o Décimo Segundo Imã, Muhammad  Al-Mahdi,[1] desapareceu no ano 941 d.C., sua conexão com os crentes xiitas foi  rompida. Desde então, foi ordenado aos xiitas que aguardem pelo retorno dele a  qualquer momento.
Nesse ínterim, os clérigos xiitas mais destacados são considerados  representantes dos Imãs. Assim, eles têm autoridade para tratar dos assuntos da  comunidade xiita, principalmente nas esferas religiosa e jurídica, até que o Imã  Oculto retorne, lidere a comunidade xiita e a liberte de seus sofrimentos.
De acordo com a crença xiita, durante o período da ausência do Mahdi (período  esse denominado ghaibat ou “ocultação”), ninguém, exceto Deus, sabe a  hora do retorno do Mahdi, e nenhum homem pode pressupor ou prever quando essa  hora chegará. Com o reaparecimento do Mahdi, todos os males serão reparados, a  justiça divina será instaurada e a verdade do islamismo xiita será reconhecida  pelo mundo inteiro (mahdismo).[2]
O mahdismo e o regime islâmico no Irã
Desde o estabelecimento do regime islâmico, em 1979, até a ascensão ao poder  de Mahmoud Ahmadinejad, em agosto de 2005, o mahdismo vinha sendo uma  doutrina religiosa e uma tradição que não possuía nenhuma manifestação política.  O sistema político funcionava independentemente dessa crença messiânica e da  expectativa do retorno do Mahdi. Foi apenas com a presidência de Ahmadinejad que  essa doutrina religiosa tornou-se uma filosofia política e foi levad a um lugar  central na política.
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 |   Aiatolá Ahmad Jannati, chefe do Conselho de  Guardiões. 
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Durante a era do aiatolá Ruhollah Khomeini, fundador do regime islâmico do  Irã, o mahdismo permaneceu fora do âmbito político. Sem dúvida, porém, a  era de Khomeini foi caracterizada pelo fervor messiânico. Os iranianos atribuíam  qualidades messiânicas a ele e lhe conferiram o título de “Imã”, que até então  havia sido reservado para os Doze Imãs. Na verdade, a chegada de Khomeini ao  poder foi vista na época como a realização da profecia que dizia respeito ao  retorno do Mahdi.
A instauração do Governo do Jurisprudente (velayat-e faqih) por  Khomeini no Irã motivou uma transformação no xiismo, substituindo sua  tradicional passividade por uma perspectiva mais ativa. Como parte dessa  mudança, Khomeini afirmou que os xiitas não deveriam apenas aguardar  passivamente pelo retorno do Mahdi, mas deveriam ativamente preparar o terreno  para seu retorno e para a libertação da comunidade xiita. Um componente dessa  abordagem ativa foi a tomada do poder pelos clérigos. Entretanto, Khomeini  manteve a doutrina do mahdismo na periferia da esfera política. Ele nem  afirmou possuir uma conexão direta com Deus, nem presumiu prever a hora do  retorno do Mahdi.
Após a morte de Khomeini em 1989, o mahdismo teve um declínio no Irã.  As administrações de Ali Akbar Hashemi Rafsanjani (1989-1997) e de Mohammad  Khatami (1997-2005) mantiveram uma estreita separação entre a política e o  mahdismo – uma política que mudaria com a presidência de  Ahmadinejad.[3]
Este documento analisa a politização do mahdismo pelo presidente  iraniano Mahmoud Ahmadinejad e por seu mentor espiritual, aiatolá Taqi Mesbah-e  Yazdi.
O messianismo na política externa iraniana
A doutrina messiânica do mahdismo também está manifestada na política  externa iraniana, especialmente em sua atitude com relação às superpotências  ocidentais e com respeito ao programa nuclear. O aiatolá Mesbah-e Yazdi, mentor  de Ahmadinejad, expressou a seguinte abordagem em um discurso no dia 11 de  outubro de 2006: “A maior obrigação daqueles que aguardam o aparecimento do  Mahdi é lutar contra a heresia e a arrogância global [i.e., do Ocidente,  principalmente dos Estados Unidos]”.[4]
Os discursos de Ahmadinejad são caracteristicamente irônicos a respeito das  “forças da arrogância”, i.e., do Ocidente, principalmente dos Estados Unidos, e  ameaçadores com relação a quaisquer pessoas que não aceitem o messianismo xiita  como uma alternativa à “perdição e destruição” que as está aguardando: “Aqueles  que não responderem ao chamado para prosseguirem em direção à verdade – um bom  destino não os aguarda. Ouvi dizer que o presidente de um desses países [i.e., o  [então] presidente dos Estados Unidos, George Bush] (...) disse que o presidente  do Irã o estava ameaçando. Eu disse a ele: ‘Não sou eu que o está ameaçando. É o  mundo inteiro que o ameaça porque o mundo em sua totalidade é rápido contra a  opressão e os opressores. Vocês [países ocidentais] não são nada comparados ao  poder de Deus. Nós os convidamos a [tomarem] o caminho da retidão, o caminho dos  Profetas, do monoteísmo e da justiça. Se pensam que podem se sentar em seus  palácios de cristal e determinar o destino do mundo, vocês estão enganados.  (...) Nosso chamado [a vocês] para tomarem a direção da verdade [tem origem] na  compaixão. Não queremos que se metam em problemas, uma vez que vocês sabem que o  resultado da opressão e da injustiça é perdição e destruição”.[5]
Essas características também são evidentes na política nuclear de  Ahmadinejad. Em contraste com o governo de Khatami, que se empenhou por amenizar  a posição do Ocidente com respeito à questão nuclear via constante diálogo,  Ahmadinejad e seu círculo mais próximo não evitam confrontar o Ocidente, já que  eles consideram que essa luta é uma das maneiras de preparar o terreno para o  retorno do Mahdi.
De acordo com o diário Rooz, “Alguns daqueles mais próximos de  Ahmadinejad, que freqüentemente falam sobre [a necessidade de] preparar o  terreno para o retorno do Mahdi, fazem explicitamente a ligação [do destino] do  dossiê nuclear iraniano com essa necessidade. (...) De acordo com informações  confiáveis, eles enfatizaram, em diversas reuniões privativas, que a oposição  [iraniana] à pressão global [sobre o programa nuclear iraniano] e sua  insistência no direito de utilizar a energia nuclear estão entre as maneiras de  preparar o terreno para o retorno do Imã [Oculto]”.[6]
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 |   Aiatolá Ahmad Khatami, um amigo chegado de  Ahmadinejad. 
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O mahdismo e a ideologia do aiatolá Mohammad Taqi Mesbah-e Yazdi
Um discurso feito no Seminário Internacional sobre a Doutrina do  Mahdismo pelo aiatolá Mohammad Taqi Mesbah-e Yazdi mostra que ele também  considera a crença no Mahdi como um conceito que transcende o âmbito religioso  ou teórico. O aiatolá Yazdi deu a essa crença uma tangível dimensão  político-ideológica quando explicou que o retorno do Mahdi levaria ao  estabelecimento de um governo único sobre todo o mundo e que a presente batalha  contra os infiéis e contra “a arrogância global” está preparando o terreno e  apressando a vinda do Mahdi:[7]
“Implementar as leis do islamismo, estabelecer a justiça e lutar contra a  heresia e a opressão são os deveres mais importantes daqueles que aguardam o  [retorno do] Imã Oculto e preparam o terreno para sua vinda. (...) Devemos  intensificar a fé religiosa e [o poder] da religião no Irã e no mundo inteiro.  (...) Com a finalidade de apressar a vinda do Imã Oculto, devemos disseminar a  justiça e a lei religiosa para aumentarmos a consciência do público a respeito  dessas coisas [por todo o mundo] para que a fé [xiita] seja aceita pela  sociedade [em todos os lugares]. (...)
Um dos aspectos ideológicos da doutrina mahdista é [sua] universalidade, uma  vez que o Mahdi vem para estabelecer justiça e retidão no mundo inteiro. Um  outro aspecto é a disseminação da justiça e da retidão [segundo a lei de] um  único homem, um único centro, e um único sistema. Como o Imã Oculto é o  responsável pela disseminação da justiça e da retidão, o mundo precisará ter um  único centro e governo (...) para que possa sair de um estado de [divisão] e  estabelecer um único governo [universal] dirigido pelo [Imã Oculto], e todo tipo  de opressão e de exploração será [então] banido do mundo”.
Em um discurso em 2006 que marcava o aniversário do Mahdi, o aiatolá Mesbah-e  Yazdi enfatizou a importância de lutar contra a heresia que, em sua opinião,  está retardando a vinda do Mahdi:
“Nosso mais nobre dever é lutar para reduzir a opressão, ser mais [rigorosos]  na execução da lei islâmica (...) e enfraquecer o controle dos regimes  opressivos e tirânicos sobre os oprimidos. Essas [ações] podem [acelerar] o  retorno do Imã Oculto. (...) Se quisermos acelerar a vinda do Mahdi, devemos  remover quaisquer obstáculos [que estejam atrasando seu retorno]. Quais são os  obstáculos que estão atrasando o aparecimento do Mahdi? [Eles são] a negação  [herética] da bênção [conferida] sobre a sociedade pela presença do Imã, [assim  como] a ingratidão, a insubordinação e as objeções [à doutrina do  mahdismo]. Se quisermos apressar a vinda do Mahdi, devemos eliminar esses  obstáculos. Devemos lutar para instaurar maior justiça, assegurar uma  implementação [mais rigorosa] da lei islâmica, [fazer com que] as pessoas tenham  maior interesse na fé e suas diretivas, [estabelecer] as leis religiosas como  [valores] dominantes da sociedade, [assegurar] que a fé religiosa seja tida como  um consenso nas conferências, e limitar [o controle dos opressores, i.e., das  potências ocidentais] sobre os oprimidos em todo o mundo – tanto muçulmano  quanto não-muçulmano. [É isso que devemos fazer] a fim de prepararmos o terreno  para a vinda do Mahdi. Dessa forma, a maior obrigação daqueles que aguardam o  aparecimento do Mahdi é lutar contra a heresia e a arrogância global”.[8]
Fatemeh Rajabi, que é afiliado ao Ansar-e Hezb’allah e autor de um livro  sobre Ahmadinejad intitulado The Miracle of the Third Millenium [O  Milagre do Terceiro Milênio], disse que o “governo de Ahmadinejad [foi  estabelecido para facilitar] a vinda do Imã Oculto”. (A. Savyon e Y. Mansharof –  extraído de www.memri.org –  Israel My Glory - http://www.beth-shalom.com.br)
A. Savyon é diretor do Projeto de Mídia Iraniana. Y. Mansharof é pesquisador  do MEMRI.
Notas:
- O Décimo Segundo Imã, o messias xiita, também é chamado Muhammad Al-Muntazar  (“O Esperado”), Imã Al-Zaman (“o Imã das Eras”) e “o Imã Oculto”.
 
- Sobh-e Sadeq (Irã), 30 de abril de 2007.
 
- Para detalhes sobre a ascensão de Ahmadinejad ao poder e sobre a “Segunda  Revolução Islâmica”, ver MEMRI Inquiry and Analysis nº 253, “‘The Second Islamic  Revolution’ em Iran: Power Struggle at the Top”, 17 de novembro de 2005, www.memri.org/bin/articles.cgi?Page=archives&Area=ia&ID=IA25305.
 
- Parto-ye Sokhan (Irã), 11 de outubro de 2006.
 
- ISNA (Irã), 6 de setembro de 2006, http://www.isna.ir/Main/NewsView.aspx?ID=News784304&Lang=P.
 
- Rooz, 16 de outubro de 2006, citado pelo site Entekhab em 16 de  outubro de 2006 www.entekhab.ir/display/ID=6760&Page=1.
 
- Kayhan (Irã), 10 de setembro de 2006.
 
- Parto-ye Sokhan (Irã), 11 de outubro de 2006.
 
 
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